Wednesday, June 06, 2018

A Religião e a Sexualidade


Experiências clínicas irrefutáveis comprovam que a sensibilidade religiosa provém da sexualidade inibida, isto é, que a fonte da excitação mística é a excitação sexual inibida. Disto se conclui necessariamente que uma consciência sexual lúcida e uma organização natural da vida sexual significam o fim de qualquer tipo de sensibilidade mística. Por outras palavras: a sexualidade natural é o inimigo mortal da religião mística. A igreja ao travar combate contra a sexualidade apenas vem dar razão a este ponto de vista.


Não pretendo fazer um estudo aprofundado do sentimento religioso; limitar-me-ei a enumerar factos do conhecimento geral. Os fenómenos de excitação sexual cruzam em determinado ponto o problema daa excitação religiosa, desde o mais simples fervor da fé até ao completo êxtase religioso. O conceito de excitação religiosa não deve ser circunscrito aos sentimentos vulgares no caso de pessoas profundamente crentes quando assistem, por exemplo, a uma cerimónia religiosa. Temos de incluir nele todas as excitações que são caraterizadas, no seu conjunto, por um determinado estado de excitação psíquica e física; por exemplo, a excitação de massas submissas quando escutam o discurso de um dirigente preferido; e também, naturalmente, a excitação que se sente quando se é dominado por fenómenos sublimes da natureza. Resumamos, em primeiro lugar, os conhecimentos adquiridos sobre os fenómenos religiosos antes de ser ter iniciado o estudo da economia sexual. A investigação social conseguiu provar que as formas e também os diferentes conteúdos das religiões dependem das fases de desenvolvimento das relações económicas e sociais. Por exemplo, as religiões anímicas estão ligadas ao modo de vida dos povos primitivos que viviam da caça. O modo como os homens concebem os seres divinos, sobrenaturais, é invariavelmente determinado pelo grau que atingiu a sua economia e a sua civilização. Do ponto de vista sociológico, as concepções religiosas são também em grande medida determinadas pela capacidade humana de dominar a natureza e as dificuldades sociais. A impotência perante as forças da natureza e as catástrofes sociais atua como elemento promotor na produção da ideologia religiosa nos respetivos círculos culturais. A explicação sociológica da religião relaciona-se, portanto, com a base socio-económica sobre a qual se constroem os cultos religiosos. Ele nada esclarece quanto à dinâmica da ideologia religiosa nem quanto ao processo psíquico que se desenrola nos homens sujeitos a essa ideologia religiosa.

A criação de cultos religiosos é, pois, independente da vontade do homem como indivíduo; trata-se de criações sociológicas que resultam das relações entre os homens e das relações desses homens com a natureza.

A psicologia do inconsciente acrescentou à explicação sociológica da religião uma explicação psicológica. Enquanto, anteriormente, se tinha compreendido o condicionamento social dos cultos religiosos, estudava-se agora o processo psicológico que se desenrola nos homens submetidos aos cultos religiosos objetivos. Deste modo a psicanálise pôde verificar que a conceção de deus se identifica com a do pai e a ideia da mãe de deus se identifica com a da mãe de cada um dos crentes. A trindade da religião cristã reflete diretamente o triângulo constituído pela mãe, pelo pai e pelo filho. Os conteúdos psíquicos da religião têm origem nas relações familiares desde a primeira infância.
A explicação psicológica revelou, portanto, os conteúdos da cultura religiosa, mas não revelou a energia por meio da qual esses conteúdos se inculcam nos homens. Sobretudo ficou por esclarecer de onde provêm a riqueza afetiva e o caráter marcadamente emotivo das conceções religiosas. Ficou igualmente por esclarecer por que motivo as conceções do pai prepotente e da mãe bondosa se convertem em conceções místicas e quais as suas relações com a vida sexual dos indivíduos.
Numerosos sociólogos descobriram há muito tempo o caráter sexual de algumas religiões patriarcais. Do mesmo modo se chegou já à conclusão de que as religiões patriarcais têm invariavelmente um conteúdo político reacionário. Estão sempre ao serviço da classe detentora do poder em qualquer sociedade de classes e, na prática, impedem a abolição da miséria das massas, atribuindo-a à vontade de deus e mitigando o desejo de felicidade com a esperança no além.

Os estudos da economia sexual acrescentaram as seguintes questões aos conhecimentos anteriores sobre a religião:

1)      De que modo se inculcam nos indivíduos a conceção de deus, de pecado e a ideologia do castigo que são produzidas pela sociedade e reproduzidas através da família? Por outras palavras, o que força os homens não só a aceitar essas noções religiosas, não só a não as considerar indesejáveis, mas também a aprová-las, muitas vezes entusiasticamente, e a mantê-las e defendê-las, sacrificando os mais fundamentais interesses da Vida?

2)      Quando é que se processa o inculcar das conceções religiosas nos homens?

3)      Qual a energia utilizada por esse processo

É evidente que da resposta a estas três questões depende, se não a interpretação sociológica e psicológica da religião, pelo menos, muito seguramente, a possibilidade de alterar efetivamente a estrutura dos homens. Isto porque se se concluir que os sentimentos religiosos dos homens não lhes são impostos, mas são por eles próprios absorvidos e conservados estruturalmente, muito embora em contradição com os seus interesses vitais, então forçoso será concluir que se trata de uma transformação energética que ocorre na própria estrutura humana.

A noção básica das religiões de todas as sociedades patriarcais é a negação da necessidade sexual. Esta regra não conhece exceções, se abstrairmos das religiões primitivas que aceitavam a sexualidade e nas quais o fator religioso e o fator sexual constituíam uma unidade. Na transição da organização social baseada no direito natural e materno para o direito paterno, isto é, para a sociedade de classes de tipo patriarcal, perdeu-se essa unidade entre o culto religioso e a sexualidade; o culto religioso transformou-se no contrário do sexual. Assim, deixa de existir o culto sexual, para dar lugar à subcultura sexual dos bordéis, da pornografia, da sexualidade praticada às escondidas. Não é necessário apresentar mais justificações para o facto de que, no momento em que a vivência sexual deixa de constituir uma unidade com o culto religioso, transformando-se no seu contrário, a excitação religiosa passa a ser forçosamente um substituto para o prazer perdido, anteriormente aceite pela sociedade. Só esta contradição inerente à excitação emocional religiosa, nomeadamente o facto de ser, simultaneamente, anti-sexual e um substituto da sexualidade, é capaz de explicar a força e a persistência das religiões.

A estrutura afetiva do homem verdadeiramente religioso pode ser rapidamente descrita do seguinte modo: biologicamente, ele encontra-se tão sujeito a estados de tensão sexual como todos os outros homens e seres vivos. Mas, por ter absorvido as conceções religiosas que negam a sexualidade, e especialmente pelo medo da punição que adquiriu, perdeu a capacidade para o processo natural de tensão e satisfação sexual. Sofre, por esse motivo, um estado crónico de excitação física exagerada que tem de controlar ininterruptamente. A felicidade na terra não só é para ele inatingível, mas também chega a parecer-lhe indesejável. Dado que espera a absolvição no além, está sujeito a uma incapacidade para a felicidade na vida terrena, mas, como é um ser vivo biológico e não pode, em circunstância alguma, prescindir da felicidade, da distensão e da satisfação, procura a felicidade imaginária que lhe proporcionam as tensões religiosas anteriores ao prazer, isto é, as conhecidas correntes e excitações vegetativas que se processam no corpo. Por isso, juntamente com os seus correligionários, organizará cerimónias e criará instituições que lhe permitam atingir com facilidade esse estado de excitação corporal, encobrindo, simultaneamente, a sua verdadeira essência. O seu organismo biológico constrói deste modo uma espécie de órgão, cujos sons desencadeiam no corpo aqueles mecanismos de excitação. A escuridão mística das igrejas aumenta os efeitos de uma sensibilidade tomada de modo supra-individual em relação ao próprio eu interior e dos sons adequados de um sermão, de um coral, etc.

O homem religioso encontra-se num estado de total desamparo porque, em consequência da repressão da sua energia sexual, perdeu a aptidão para a felicidade e a energia para combater as dificuldades da vida. Desamparado na vida real, tanto mais necessita de acreditar em forças sobrenaturais que o apoiam e protegem. Assim se compreende que, nalgumas situações, ele seja capaz de desenvolver um incrível poder de convicção, mesmo de indiferença passiva para com a morte. Essa força advém-lhe do amor às suas próprias convicções religiosas, que são sustentadas por excitações corporais em que o prazer é dominante. Mas acredita que essa força lhe vem de deus. A sua nostalgia em relação a deus é na realidade a nostalgia originada pela sua excitação sexual anterior ao prazer e que exige ser satisfeita. A libertação não é nem pode ser mais do que a libertação das tensões físicas insuportáveis, que só podem ser agradáveis enquanto puderem ser associadas a uma união imaginária com deus, isto é, à satisfação e à distensão. A tendência dos religiosos fanáticos para se magoarem, para atos masoquistas, etc., só vem confirmar o que dissemos. A clínica de economia sexual revelou que o desejo de ser batido ou a autopunição provêm do desejo instintivo de distensão sem culpa própria. Não há tensão física que não provoque fantasias masoquistas, se o individuo em questão se sente incapaz de produzir por si próprio a distensão. É esta a origem da ideologia da aceitação passiva do sofrimento presente em todas as religiões.

O estado real de desamparo e o sofrimento físico provocam o impulso para a consolação, apoio e sustentáculo exteriores, dirigidos contra os próprios instintos maus ou, como se diz, contra os pecados da carne. Quando as pessoas religiosas atingem estados de forte excitação, provocados pelas suas conceções religiosas, aumenta, a par da excitação física, o estado de excitação vegetativa, aproximando-se da satisfação, sem, contudo, produzir, na realidade, uma distensão corporal. O tratamento de sacerdotes doentes revelou que o auge dos estados de êxtase religioso é frequentemente acompanhado por uma ejaculação involuntária. A satisfação sexual normal é substituída por um estado geral de excitação física que exclui o aspeto genital e provoca, contra a vontade, e como que por acaso, uma distensão parcial.

O prazer sexual foi, originariamente, como é natural, algo de bom, de belo, de agradável, em suma, aquilo que unia os homens à Natureza de modo geral. Com a separação entre o sentimento religioso e o sexual, este teve de se transformar em algo de mau, de infernal, de diabólico.

Tentei explicar noutro ponto de que modo o medo do prazer se desenvolve e quais os seus efeitos. Repetirei resumidamente: os homens que são incapazes de distensão, necessariamente acabam por considerar a excitação sexual como algo que tortura, que incomoda e que destrói. E, na realidade, a excitação sexual tortura e destrói quando não é permitida a distensão. Vemos, pois, que a conceção religiosa da sexualidade como força destruidora, demoníaca, decadente, radica em processos físicos reais. Assim a conceção da sexualidade teve de se bifurcar: os valores tipicamente religiosos e morais, como «bom», «mau», «celestial» e «terreno», «divino» e «demoníaco», etc., transformam-se em símbolos da satisfação sexual e da sua punição, por outro lado.

O profundo desejo de expansão e libertação (conscientemente dos pecados, inconscientemente daa tensão sexual) é simultaneamente afastado. Os estados de êxtase religioso não são mais que estados de excitação sexual nunca satisfeita do sistema nervoso vegetativo. A excitação religiosa não pode ser compreendida e não pode ser dominada se não se perceber a contradição que lhe é inerente. Mais do que anti-sexual, ela é em si mesma altamente sexual. Mais do que moralista, ela é profundamente antinatural, não higiénica, em termos de economia sexual.

Em nenhuma camada social florescem as histerias e as perversões, tanto como acontece nos círculos ascéticos da Igreja. Mas isto não deve levar-nos à conclusão errada de que essas pessoas devem ser tratadas como criminosos perversos. Tal como todos os outros homens a sua personalidade está dividida em duas partes: a oficial e a privada. Oficialmente, consideram a sexualidade como um pecado, mas, intimamente, sabem que não podem existir sem substitutos para a satisfação. Muitas dessas pessoas revelam-se mesmo permeáveis à solução preconizada pela economia sexual para a contradição entre a excitação sexual e a moral. Compreendem bem, desde que se consiga contactar com elas, não as repelindo, que aquilo que descrevem como sendo a união com deus, não é mais do que a ligação com o processo geral da Natureza, que o seu ego faz parte da Natureza, que, à semelhança de todos os outros homens, se sentem como um microcosmo dentro do macrocosmo. Somos levados a admitir que as suas convicções radicam num fundo de verdade e que aquilo em que acreditam é real, pois que é constituído pela corrente vegetativa do seu corpo e pelo êxtase que são capazes de sentir. O sentimento religioso é inegavelmente autêntico, mas torna-se falso na medida em que recusa a sua própria origem e a satisfação desejada inconscientemente, ocultando-a de si próprio. É isso que origina a atitude forçada de bondade, comum nos padres e nas pessoas religiosas.

Resumindo:

1)      A excitação religiosa é uma excitação vegetativa cuja natureza sexual fica encoberta.

2)      Através da mistificação da excitação, o homem religioso nega a sua sexualidade.

3)      O êxtase religioso é um substituto da excitação vegetativa orgástica.

4)      O êxtase religioso não provoca a distensão sexual, mas sim, quando muito, uma fadiga muscular e espiritual.

5)      O sentimento religioso é subjetivamente verdadeiro e assenta em bases fisiológicas.

6)      A negação da natureza sexual dessa excitação provoca falsidade de caráter.

De inicio, as crianças não acreditam em deus. A fé em deus só se inculca nelas quando surge o problema da masturbação e têm de aprender a reprimir a excitação sexual. Assim, começam a ter medo do prazer e depois a acreditar realmente em deus, a ter medo dele, e não só a temê-lo, sabendo-o omnisciente e omnipresente, mas a chamá-lo como proteção contra a sua própria excitação sexual. Tudo isto tem a função de evitar a masturbação. A inculcação das conceções religiosas processa-se, portanto, na primeira infância. Contudo essas conceções não seriam suficientes para reprimir a energia sexual da criança, se não estivessem associadas às imagens reais do pai e da mãe. Quem não respeita o pai comete um pecado, por outras palavras, quem não teme o pai, quem se entrega ao prazer sexual, é castigado. O pai real, severo, causador de frustrações, é, na imaginação da criança, o representante de deus na terra e o seu órgão executivo. E se a veneração pelo pai é prejudicada pela compreensão real das suas fraquezas e insuficiências humanas, permanece sob a forma de uma conceção de deus abstrata e mística. Do mesmo modo que a dominação patriarcal invoca deus, referindo-se à autoridade paterna, também a criança ao dizer «deus» refere-se, na realidade, ao pai. Na estrutura da criança a excitação sexual e as conceções de pai e de deus constituem uma unidade. Nos tratamentos clínicos, essa unidade depara-se-nos de modo palpável, sob a forma de um espasmo muscular genital. O desaparecimento do espasmo nos músculos genitais acompanha regularmente o desaparecimento da conceção de deus e do medo do pai. Portanto, o espasmo genital não só representa a inculcação estrutural fisiológica do temor religioso, mas também produz, simultaneamente, o medo do prazer, que se transforma na essência de toda a moral.
A inibição genital e o medo do prazer são a essência energética de todas as religiões patriarcais que negam a sexualidade.

A religiosidade hostil à sexualidade é produto da sociedade patriarcal autoritária. Neste contexto, a relação pai-filho que se nos depara em todas as religiões de tipo patriarcal não é mais do que um conteúdo necessário, socialmente condicionado, da experiencia religiosa; mas essa própria experiencia procede da repressão sexual nas sociedades patriarcais. O serviço prestado pela religião no decorrer dos tempos, a atitude de obediência e de renuncia em relação à autoridade, são apenas a função secundária da religião. Ela pode apoiar-se numa base sólida: na estrutura dos homens das sociedades patriarcais, estrutura essa que foi alterada pela repressão sexual. A fonte viva da atitude religiosa e o eixo em torno do qual se produzem os dogmas religiosos residem na negação do prazer carnal; esta realidade é evidente, sobretudo nos casos do cristianismo e do budismo.

Thursday, May 10, 2018

A Educação e o Cancro




«Tive recentemente a oportunidade de observar o desenvolvimento da angústia de cair de um bebé de três semanas. Esta observação preencheu uma lacuna na investigação da biopatia do câncer.
O bebé em questão nasceu num ambiente em que a linguagem expressiva do organismo é compreendida e utilizada profissionalmente. Foi, portanto, ainda mais desconcertante que os pais se sentissem desamparados quando confrontados com a linguagem gestual do bebé. Eles tinham a impressão de que não se sabe absolutamente nada sobre a vida emocional de uma criança recém-nascida. Obviamente, as necessidades emocionais do bebé não são satisfeitas de modo algum através de cuidados puramente mecânicos. O bebé tem apenas uma forma de comunicar as suas necessidades, a saber, chorando. Esta única forma cobre um sem número de necessidades, grandes e pequenas, desde a irritação com uma dobra da fralda até cólicas. A linguagem expressiva do bebé não encontra resposta no ambiente.

Evitarei discutir aqueles tipos prejudiciais de cuidado de bebés que a educação moderna já eliminou do mundo ou ainda está a combater: divisão rígida das porções de alimento, e adoção inflexível de horários de alimentação, extensão forçada das pernas em cueiros apertados, como era feito 30 anos atrás, negar o peito durante as primeiras 24 horas, como ainda é praticado em muitos hospitais, excesso de aquecimento dos berçários, prática de deixar os bebés berrando, e assim por diante. Medidas compulsivas deste tipo expressam atitudes hostis de pais e médicos em relação à vida. O seu efeito é o impedimento imediato da autorregulação biológica do organismo após o nascimento, criando base para uma biopatia posterior, que é então interpretada erroneamente como defeito hereditário. Tudo isto é conhecimento comum hoje em dia, mesmo que ainda não tenha tido impacto sobre a prática diária no cuidado de crianças.

 Eu gostaria de me limitar aqui a uma influência prejudicial específica nas primeiras semanas de vida que tem sido negligenciada até agora: a ausência de contacto orgonótico, de natureza diretamente física ou psicológica, entre o bebé e a pessoa que toma conta dele. A capacidade de compreender a linguagem da expressão emocional do bebé depende deste contacto: quanto mais completo o contacto orgonótico, melhor a compreensão.

Os lugares mais significativos do contacto do corpo do bebé são a boca e a garganta, altamente carregadas do ponto de vista bioenergético. Este órgão se lança em busca de gratificação desde o começo. Se o mamilo da mãe reagir aos movimentos de sucção do bebé de maneira biofisicamente normal, com sensações de prazer, ficará fortemente ereto e a excitação orgonótica do bico se fundirá com a excitação da boca do bebé, até que ambas se tornem uma coisa só, de modo semelhante ao que ocorre no ato sexual orgasticamente gratificante. Nada há de anormal ou nojento nisto. Qualquer mãe saudável experimenta a sucção como um prazer e cede a ele.

Todavia, cerca de 80% de todas as mulheres sofrem de anestesia vaginal e frigidez. De modo correspondente, os seus mamilos são anorgonóticos, isto é, “mortos”. A mãe pode desenvolver uma angústia ou aversão como resposta àquilo que seria naturalmente uma sensação de prazer despertada no peito pela sucção do bebé. É por este motivo que muitas mães não querem amamentar os seus filhos. Além do mais, um seio anorgonótico funciona fisiologicamente pouco, isto é, a produção de leite fica perturbada. Assim a boca excitada do bebé quer com um mamilo “morto”, o que o impede de experimentar satisfação, quer com o bico de borracha não excitável de uma garrafa a que o bebé ficou restrito por causa da fobia da mãe.

A debilitação do funcionamento plasmático na região da boca, pescoço e ombro que encontramos nas biopatias não deixa dúvidas de que os severos danos à orgonicidade do bebé na região da cabeça e pescoço são causados por estes distúrbios da mãe. Distúrbios da fala, falta de expressão emocional, espasmos nos músculos do pescoço, distúrbios alimentares, vómitos espasmódicos histéricos, medo de beijar, depressão, gagueira, mutismo e muitos outros são consequências de um funcionamento orgonótico precário dos órgãos da boca e do pescoço. Assim se dá o primeiro contacto fisiológico do bebé com o mundo.
Abordemos agora o contacto emocional, diretamente determinado pelo contacto orgonótico. O bebé não tem outros meios de expressão à sua disposição senão as diversas formas de movimento (caretas, movimentos dos braços, pernas e tronco, expressões dos olhos) e o choro. No início, a mãe capta a expressão dos gestos do bebé através do contacto orgonótico (pela identificação, em termos psicológicos). Se o seu próprio organismo estiver livre e emocionalmente expressivo, ela compreenderá o bebé. Porém, se for encouraçada, caracterologicamente rígida, tímida ou inibida, não conseguirá compreender a linguagem do bebé e, portanto, o desenvolvimento emocional da criança será exposto a diversos tipos de influências prejudiciais. As necessidades do bebé só podem ser satisfeitas se as suas expressões forem compreendidas. Contudo o que ele quer exatamente nem sempre é fácil de saber. Toda a criança recém-nascida possui a sua individualidade, o seu próprio tom de expressão emocional que deve ser reconhecido para que as suas reações emocionais individuais sejam compreendidas. O bebé neste caso particular de angústia de cair se caraterizava por um “olhar esperto”. Essa forma de olhar estava totalmente desenvolvida poucos minutos depois do nascimento, isto é, os olhos do bebé estavam bem abertos e dava a impressão de estar a ver. Ele pegou o peito imediatamente e com vigor. Durante a primeira semana não chorou muito. Na segunda semana, no entanto, chorou com frequência e nenhuma das pessoas que cuidavam dele era capaz de conceber o que o levava a chorar. Quem tentava pacificá-lo nem sempre conseguia e muitas vezes eu tinha a sensação de que a criança queria algo bem definido. Mas o quê? Duas semanas depois, entendi que o que ele queria era contacto corporal. Terei que explicar este ponto.
Durante as poucas horas em que estava acordado, o bebé seguia com os olhos as espirais vermelhas pintadas nas paredes do quarto. Ele claramente preferia a cor vermelha ao azul ou verde; o seu olhar se fixava no vermelho por muito mais tempo com uma expressão muito mais intensa.

Com duas semanas de idade, o bebé experimentou a sua primeira excitação orgástica na boca. Aconteceu enquanto mamava: os globos oculares viraram para cima e para os lados, a boca começou a tremer, a língua estremeceu. Então as contrações se espalharam por todo o rosto. Depois de cerca de 10 segundos, elas cederam e a musculatura da face relaxou. Esta excitação pareceu perfeitamente natural aos pais, mas sabemos por experiência que muitos pais ficam alarmados quando o seu filho experimenta o orgasmo oral. Nas quatro semanas seguintes esses movimentos convulsivos ocorreram diversas vezes.
Ao término da sua terceira semana de vida, o bebé experimentou um ataque agudo de angústia de cair quando era tirado do banho e colocado de costas sobre uma mesa.

Não ficou imediatamente claro se o movimento de o deitar teria sido muito rápido ou se o esfriamento da pele desencadeou a angústia de cair. Seja qual for a causa, o bebé começou a gritar violentamente, esticou os braços para trás como que para obter apoio, tentou trazer a cabeça para a frente, mostrou um pânico absoluto nos olhos e não pôde ser acalmado. Teve de ser tomado nos braços. Tão logo foi feita nova tentativa de o deitar a angústia de cair reapareceu com a mesma violência. Só foi possível acalmá-lo tomando-o nos braços.

Nos dias que se seguiram o braço direito e a escápula direita ficaram retraídos e menos móveis do que o braço esquerdo. A contração da musculatura do ombro direito era bastante nítida e a sua conexão com a angústia de cair, clara. Durante o ataque de angústia a criança puxou os dois ombros para trás como que se protegendo da queda e essa atitude muscular se manteve; não conseguiu relaxar mesmo em períodos livres de angústia.

Acredito que há um grande significado ligado a este incidente. Todavia, é possível excluir as seguintes explicações:

Não se poderia tratar de uma angústia de orgasmo genital do tipo que acontece depois da puberdade. Nem poderia ser um medo racional, já que um bebé com três semanas de idade não formou os conceitos de “cair”, “altura” ou “profundidade”. Também não poderia ser o caso de angústia de cair psiconeurótica, já que não existem conceitos antes do desenvolvimento da língua falada e não pode haver fobia sem conceitos.

A explicação psicanalítica de angústia instintiva, oferecida habitualmente em tais casos, não é satisfatória, pois a pergunta então seria: que tipo de pulsão do ego estava sendo evitada? Não há algo como um ego moral nesta idade e, de acordo com a teoria psicanalítica, quando não há defesa moral também não pode haver angústia instintiva. Não há ego para sinalizar uma irrupção pulsional por meio de crise de angústia.

Portanto, nem as explicações racionalistas nem as psicológicas oferecem resposta. Como é possível ocorrer um ataque agudo de angústia num bebé de três semanas que não possui nem consciência do perigo de cair nem um sinal instintivo de defesa do ego contra a angústia? Recorrer à noção de uma angústia instintiva, arcaica, inata, seria totalmente ocioso e nada provaria. Uma crise de angústia é um distúrbio funcional e só pode ser compreendida em termos das funções corporais orgonóticas.

Tentemos uma interpretação biofísica: se o medo do perigo e a defesa contra o instinto tiverem de ser excluídos, o que permanece é o mecanismo de prazer-angústia do sistema orgonótico corporal, que funciona desde o primeiríssimo movimento do plasma. Em Psychischer Kontakt und Vegetative Stromung (Contacto Psíquico e Corrente Vegetativa, 1934), tive que fazer a afirmação de que a sensação de queda é uma ocorrência puramente biofísica desencadeada por um retraimento rápido da energia biológica da periferia para o centro vegetativo do organismo. É o mesmo tipo de sensação cinestésica de órgão que acontece na queda real, no susto e quando ocorre a inibição súbita da expansão orgástica. Como mostrei clinicamente, está sempre na raiz da angústia do orgasmo. A pulsação rápida e extrema do orgasmo é experimentada como queda se não puder seguir o seu curso sem impedimentos. Em contraste, a contração orgástica não inibida conduz à sensação de flutuar ou voar.       
O retraimento da bioenergia da periferia do corpo representa uma anorgonia das extremidades; a perda do sentido de equilíbrio acompanha a anorgonia dos órgãos que lhe dão suporte.

A angústia de cair não é, portanto, uma formação psíquica, mas a simples expressão de anorgonia súbita naqueles órgãos que sustentam o equilíbrio do corpo em oposição à atração gravitacional. Quer a angústia de cair e a anorgonia sejam induzidas pela súbita investida da angústia do orgasmo, pela queda real ou por uma contração de susto, o mecanismo continua o mesmo: perda da motilidade plasmática periférica, acompanhada de uma perda do sentido de equilíbrio e do equilíbrio em si. A experiência de angústia é uma reação biofísica imediata à contração repentina do sistema plasmático. A contração orgonótica, todavia, está relacionada à perda da motilidade plasmática na periferia e, por esse motivo, se manifesta como medo de cair.
Se a imobilização acontece como resultado de um bloqueio de prazer secundário ou por causa de uma contração de angústia primária, isso não importa. O efeito é o mesmo: a sensação de queda é a perceção interna imediata da imobilização da periferia do corpo e da perda de equilíbrio. O equilíbrio do corpo no campo gravitacional é, portanto, uma função da pulsação orgonótica plena na periferia do sistema orgonótico.

Será possível inferir uma causa para o ataque anorgonótico do bebé? Penso que sim, pois, durante as duas primeiras semanas de vida, aproximadamente, houve pouco contacto orgonótico da mãe com a criança. Obviamente, houve fortes ímpetos de contacto corporal por parte da criança que não foram satisfeitos. Então ocorreu o orgasmo oral, uma descarga totalmente natural da intensa excitação na região da cabeça e garganta. Isto intensificou a necessidade de contacto. A ausência de contacto levou a uma contração, um retraimento daa energia biológica, como consequência dos vãos esforços para estabelecer o contacto. Se fosse para empregar uma terminologia de psicologia nesse caso, diríamos que a criança se resignou (que ficou frustrada). Porém, a resignação biológica fez emergir a anorgonia e sobreveio a angústia de cair.

Por tentativa e erro, consegui vencer a angústia de cair do bebé. Presumindo que as minhas conclusões estivessem corretas, achei que seria necessário adotar três procedimentos:

1. Pegar na criança ao colo quando gritava. Foi útil e a angústia de cair cessou cerca de três semanas depois. O medo de estranhos surgiu com a angústia de cair. Antes do primeiro ataque a criança ia alegremente nos braços de qualquer estranho; depois do ataque ela começava a chorar de medo.

2. Os ombros, mantidos em posição retraída, foram suavemente movidos para a frente de modo que eliminasse esse primeiro surgimento de uma couraça caracterológica na região. Fiz isso em tom de brincadeira, rindo e fazendo sons que a criança adorou. O procedimento foi adotado diariamente durante cerca de dois meses, sempre como se fosse brincando.

3. A criança realmente tinha de receber a “permissão de cair” para se acostumar com a sensação de queda. Era pegada pelas axilas, levantada e abaixada com delicadeza, lentamente no começo, depois cada vez mais rápido. No início reagiu chorando, mas com o passar do tempo começou a gostar dos movimentos. Logo desenvolveu uma brincadeira a partir dessa rotina de ser levantada e abaixada. Quando conseguia manter-se na vertical, começava a fazer movimentos de andar com as pernas. Ela se inclinava encostando no meu peito e olhava para cima em direção à minha cabeça. Compreendi. Queria-me escalar. Quando chegava ao topo da minha cabeça gritava de alegria. Nas semanas seguintes o subir e cair tornou-se na sua brincadeira predileta.

Felizmente a primeira reação biopática fora superada. Durante os seis meses seguintes não observámos nenhum sinal de angústia de cair.
É importante seguir o desenvolvimento desse bebé em uma área diretamente ligada ao encolhimento biopático; se o encolhimento carcinomatoso do organismo adulto assenta na contração e resignação crónicas adquiridas em idade precoce, pode-se concluir que a prevenção da biopatia de encolhimento depende do desenvolvimento sem perturbações dos impulsos vitais nos primeiros meses de vida.

Sem dúvida seria mais simples e mais popular desenvolver um remédio contra o processo de encolhimento no câncer, mas já que é impossível, não temos alternativa senão nos concentrarmos na educação económico-sexual de um bebé recém-nascido. Até onde posso ver não há outra saída, apesar das graves implicações sociais envolvidas nesse curso de ação.

Começamos com a falta de compreensão do adulto em relação à linguagem expressiva de bebés recém-nascidos. Esta lacuna tem graves consequências e é bastante generalizada. Os pais do bebé acreditavam, neste caso, serem particularmente compreensivos por permitir que o bebé regulasse por si os horários e a quantidade de alimentos ingeridos. Porém, e já na quarta semana de vida, observámos uma angústia que se manifestava em choros repetidos. No começo não entendemos. Lentamente a simples observação nos revelou que é extremamente enfadonho ficar deitado sozinho num berço durante horas, dia após dia, com paredes altas dos dois lados e coberto na parte de cima.

A vivacidade do bebé recém-nascido requer vivacidade do seu ambiente. Ele prefere cores vibrantes a tons cinzentos ou opacos, e objetos que se movem em vez de objetos parados. Ao colocarmos o bebé no carrinho de modo que as paredes não obstruam a sua visão e tirarmos a parte de cima, ele pode ver tudo ao seu redor sem dificuldade e exibirá um interesse vivaz pelas pessoas que passam, pelas árvores, postes, muros e assim por diante.

O conceito de autismo da criança, de ser ela voltada para dentro, é tão erróneo quanto difundido. O autismo é um artefacto causado pelo comportamento dos adultos. É gerado artificialmente pelo rígido isolamento do bebé, pela couraça caracterológica dos adultos que cuidam dele e também pelos teóricos do cuidado infantil. É bastante compreensível que o bebé não saia dele mesmo, ou só o faça com a maior dificuldade, nas situações em que só depara com regras inflexíveis e comportamentos não autênticos, em vez de calor humano.

É verdade que hoje em dia os bebés recém-nascidos, e, sua maioria são silenciosos e retraídos. Porém a lordose ou a neurose de angústia serão naturais só por serem comuns? Enquanto familiares, médicos e educadores abordarem os bebés com comportamentos falsos e rígidos, opiniões inflexíveis, condescendência e intromissão em vez de contacto orgonótico, os bebés continuarão sendo silenciosos, retraídos, apáticos, autistas, esquisitos e, posteriormente, animaizinhos selvagens que os doutos entendem que devem domesticar.

Este mundo não mudará, apesar de todos os discursos políticos, enquanto os adultos não conseguirem se dar ao trabalho de evitar o seu próprio entorpecimento, resultante da influência que exercem no sistema plasmático ainda incólume do bebé.

Num bebé de poucas semanas é possível evocar um prazer entusiasmado e respostas vivazes quando se fala com ele nos sue sons guturais e acima de tudo mantendo um contacto vívido. O comportamento falso do adulto força a criança a voltar-se para si mesma inevitavelmente. Não há exagero em afirmar que 90% dos adultos ainda estão completamente desatentos a essa questão específica e, por este motivo, se produzem constituições biopáticas todos os dias.

Deficiências extremamente interessantes relativas à secreção interna e às funções enzimáticas são resultados e sintomas, não as causas das posteriores doenças do biossistema. Isto deve estar certo se o ponto de vista mecânico-químico da biologia estiver incorreto, e está incorreto. O estado de saúde miserável da população deste planeta é prova suficiente.

O Modo horrendo como hindus, japoneses e qualquer tipo de asiático autoritário educam bebés não deveria ser uma surpresa tão grande para nós. Não somos muito melhores por aqui no ocidente “culto”. Só são diferentes os métodos de domesticar os “animaizinhos selvagens”. O Espírito da velha solteirona, intolerante com qualquer coisa viva ao seu redor, seja o que for, é o mesmo. 

Dentro de vinte ou cinquenta anos, será lugar comum a ideia de que pessoas que cuidam de bebés devem elas mesmas ter a experiência do amor e seus organismos devem conhecer a sensação de convulsão orgástica antes que possam entender uma criancinha. Estou bem consciente de quão repugnante isso possa soar para determinados ouvidos hoje, mas, mesmo assim, na experiência diária, continua a ser verdade que o maior perigo ao desenvolvimento saudável da criança consiste de educadores orgasticamente impotentes.

O assim chamado autismo da criança de tenra idade – sua imobilidade, sua palidez, seu retraimento – é um artefacto da educação, um produto da nossa total infelicidade social. A diarreia, a anemia e outras doenças logo serão colocadas nessa categoria também, uma afirmação que pode parecer exagerada, mas não é. Se a função intestinal é vegetativa por natureza, o que é um facto, então o desenvolvimento emocional (isto é, biofísico e orgonótico) perturbado da criança deve ter um papel crucial na diarreia, na palidez, na anemia e assim por diante. Não há sentido em falar de “infelicidade social” atualmente porque, analisando essa infelicidade social em última instância, ela mesma resulta de um mundo de animais humanos embrutecidos, de um mundo em que há sempre dinheiro para mais do que suficiente para guerras, mas nunca o suficiente para assegurar a proteção da vida. Isso existe porque seres humanos embrutecidos, enrijecidos, não têm uma compreensão do que é vivo; na verdade, eles o temem. Não há espécie de infelicidade social que se iguale à infelicidade dos bebés de pais biopáticos.

Há uma conceção errónea difundida de que os atos de agarrar, engatinhar, andar e outras funções similares simplesmente aparecem um dia, de que uma criança começa a agarrar com x semanas, engatinhar com y e andar com z semanas. É surpreendente que os pediatras não tenham elaborado um esquema de quantos passos o bebé deve dar por dia, exatamente como determinam o número diário de calorias que deve ingerir. Um mamilo erogenamente vitalizado e um contacto caloroso com a mãe são muito mais eficazes que quaisquer prescrições de substâncias químicas para estimular a digestão e o funcionamento total do corpo do recém-nascido. Uma vez estabelecido o contacto entre o bebé e um ambiente caloroso, compreensivo, então – e somente então – podem ser observados os processos naturais, em vez dos produtos artificiais de uma educação patológica. Os próprios educadores precisam de se tornar sexualmente saudáveis para que as suas afirmações científicas sobre crianças possam ser precisas. Na minha opinião, qualquer afirmação devia ser – e não há dúvida de que será um dia – julgada de acordo com a estrutura de caráter da pessoa que a pronuncia.

É preciso primeiro estabelecer um quadro de referência para se chegar a observações precisas. Se o contacto orgonótico está presente, é possível observar as diversas funções se manifestando no bebé bem antes que elas tenham um propósito. O olho, por exemplo, segue uma mão em movimento. O movimento de fechar a mão se desenvolve bem antes de o bebé agarrar qualquer objeto e nada tem a ver com o reflexo de agarrar mecânico. O agarrar com propósito se desenvolve gradualmente pela fusão de muitas funções, isto é, pela coordenação articulada de movimentos de órgãos não coordenados anteriormente. A visão com propósito, por exemplo, se estabelece quando o olho entra em contacto com algo que se move no ambiente e isso induz ao prazer. 

Depois de realizar o ato de ver, a função, já complicada, busca novos assuntos agradáveis nos quais fixar o olhar. Estímulos desagradáveis produzem contrações e não desenvolvem o ato de olhar. A quantidade excessiva de angústia e desprazer experimentada pelos nossos bebés leva posteriormente a olhos sem brilho, miopia, restrição de movimentos das pálpebras e, com ela, expressão morta dos olhos.

Diante destes factos, o que se pode fazer com o engano mecanicista de que ver é a resposta da retina a um raio de luz? É claro, mas a reação da retina é apenas um veículo, um meio de enxergar. Será a dança de uma criança apenas o contacto dos pés com o chão ou apenas tal ou qual sequência de contrações de músculos? Nesse exemplo revela-se com muita clareza o vazio de todas as interpretações mecanicistas da vida.

A criança olha para você de um jeito quando você sorri para ela e de outro quando você franze as sobrancelhas. Portanto o elemento crucial é a expressão motora do plasma, não os músculos, reações e contrações musculares individuais, e assim por diante. O raio de luz que atinge a retina sempre envolve o mesmo processo de comprimentos de onda estabelecidos. Todavia, o olho do bebé pode estar brilhando ou entorpecido, dependendo da turgidez do tecido, que aumenta com o prazer e é inibida pela ansiedade.

Uma pessoa que estabeleceu um bom contacto com o bebé pode encorajar as suas funções. Sempre que me aproximava, o bebé que eu estava observando fazia movimentos de andar enquanto deitado, para me indicar o seu desejo de andar. Quando estava com três meses e meio, ficava em êxtase quando o pegava por baixo dos braços e o deixava colocar os pés ritmicamente no chão e se mover. Olhava continuamente para as paredes para se convencer de que havia movimento, isto é, que os objetos se moviam e passavam por ele.

Crianças passam por uma fase de desenvolvimento caraterizada pela atividade vigorosa da musculatura da voz. A alegria que o bebé tira de ruídos altos (gritar, guinchar e formar uma variedade de sons) é considerada por muitos pais como agressividade patológica. Em consequência, as crianças são admoestadas a não gritar, a ficar quietas. Os impulsos do aparelho vocal são inibidos, a sua musculatura torna-se cronicamente contraída e a criança fica quieta, “bem-educada” e se retrai. O efeito dessa educação equivocada logo se manifesta em distúrbios de alimentação, apatia geral, palidez da face e outros. Distúrbios da fala e retardos no seu desenvolvimento têm presumivelmente essa causa. No adulto vemos os efeitos de tal tipo inadequado de educação na forma de espasmos na garganta. A contração automática da glote e da musculatura profunda da garganta com subsequente inibição dos impulsos agressivos da cabeça e pescoço parece ser particularmente caraterística. A experiência clínica nos ensinou que se deve permitir às crianças pequenas que berrem quando o berro é inspirado pelo prazer. Isto pode não agradar a certos pais, mas as questões de educação devem ser decididas exclusivamente com vista aos interesses da criança, não dos adultos.
Q
uero deixar claro que vejo a origem do processo de encolhimento biopático como dependente de funções psíquicas e físico-químicas da atividade bio-emocional do organismo no começo do seu desenvolvimento. Aqui e só aqui serão encontrados os meios para a prevenção deste processo, não em remédios ou teorias culturais de sublimação.

Tenho enfatizado a dependência que têm as funções psicossomáticas das funções bioenergéticas da pulsação plasmática. A atividade pulsatória vívida desde o primeiro momento do nascimento é a única prevenção que se pode conceber contra a contração crónica e o encolhimento prematuro.

A pulsação bioenergética é uma função completamente dependente das estimulações do ambiente e do contacto com ele. A estrutura de caráter dos pais forma uma parte crucial desse ambiente, principalmente a da mãe, que proporciona o ambiente desde que se forma o embrião até ao momento do nascimento.

Gostaria agora de discutir os poucos entendimentos que temos sobre o desenvolvimento pré-natal do organismo. Eles não são muitos nem decisivos. Haverá muito mais que aprender antes que seja possível desvendar o obscuro problema da hereditariedade. Porém, as notas que se seguem – nada são além disso – se constituem num começo que pode conduzir a um conhecimento prático mais adiante.

Se for para situar o surgimento de uma biopatia de encolhimento no estágio embrionário do desenvolvimento, a próxima indagação dirá respeito à influência do sangue materno no embrião, isto é, o efeito da orgonicidade do organismo da mãe, especialmente a condição bioenergética dos órgãos genitais dela, no embrião.

As contrações do embrião de galinha que foram demonstradas em filme confirmam a natureza clónica pulsatória do crescimento embrionário. A vitalidade de um embrião se manifesta nessas contrações. A própria forma da bexiga mostra que operam aqui as funções bioenergéticas caraterísticas da protusão protoplasmática, que pode ser mais bem estudada observando o fluxo das amebas. É preciso supor que um útero livremente contrátil oferece um ambiente muito mais favorável para um embrião que um útero espástico e anorgonótico. Além disso a capacidade de carga do tecido materno é transmitida ao embrião. Esta é, afinal, uma parte funcional da mucosa uterina.

Compreende-se perfeitamente, portanto, que os filhos de mulheres orgasticamente potentes sejam tão mais vitalizados que os filhos de mulheres frígidas, encouraçadas – uma afirmação que pode ser facilmente confirmada. A assim chamada hereditariedade de temperamento fundamentalmente nada mais é que o efeito do tecido materno no embrião. Concebido desta forma, pode-se ter acesso a parte do problema da hereditariedade do caráter pela primeira vez. Como as funções emocionais são determinadas pelas funções orgonóticas da energia, é compreensível que o carater seja apenas uma questão de grau de atividade energética. Em outras palavras, o temperamento é uma expressão da quantidade de atividade pulsatória do sistema orgonótico corporal.

Assim, o fator hereditário seria tangível, em princípio, como um fator quantitativo de energia. É simplesmente lógico que um sistema rico de energia se resigne menos facilmente que um sistema empobrecido de energia. A legitima conclusão é que o nível de energia de um embrião é determinado pelo nível de energia dos órgãos genitais maternos. Quantitativamente a deficiência de energia pode ser compreendida como uma diminuição da orgonicidade e compreendida funcionalmente como atividade pulsatória reduzida do plasma. É bem provável que a redução da pulsação plasmática no embrião possa causar anorgonia secundariamente. Assim, não podemos supor automaticamente que o próprio embrião seja de início anorgonótico, embora a mãe possa ter sofrido de uma diminuição do metabolismo da energia orgone. É preciso considerar duas possibilidades: a anorgonia interna do embrião e a anorgonia resultante da anorgonia do aparelho genital materno.

Prossigamos nessa linha de raciocínio mais um pouco. Naturalmente, as observações concretas corrigirão ou ampliarão o que está agora obscuro.
Durante o ato sexual dos pais, o embrião participa da contração orgástica do útero. Não pode ser de outro modo, por causa da situação fisiológica e anatómica. Antes do nascimento também ocorrem contrações do desenvolvimento que não se podem distinguir bioenergeticamente das contrações estimuladas pelo orgasmo da mãe. Se além disso o organismo da mulher possuía uma alta orgonicidade antes da gravidez, então as condições bioenergéticas para a orgonicidade do embrião são favoráveis. Essas condições são posteriormente qualificadas pela estrutura de caráter genital dos pais, que continua na dimensão do desenvolvimento psíquico aquilo que foi estabelecido pela função bioenergética no embrião. Depois do nascimento o bebé recém-nascido experimenta contrações orgásticas independentes na cabeça e no pescoço.

Como a alta orgonicidade conduz a uma atividade instintiva forte, evita-se a anorgonia. Assim, a propensão para uma biopatia de encolhimento carcinomatosa ou uma anorgonia, torna-se improvável, mas não inteiramente impossível. Posteriormente, influências destrutivas podem forçar até o organismo mais vigoroso à resignação e ao encolhimento.

Mas voltemos ao nosso bebé recém-nascido: a partir do quinto mês de gravidez, os movimentos da criança foram extraordinariamente vigorosos, na verdade tanto que a mãe chegou a sentir dores.
Recapitulando: os pré-requisitos biossociais para uma forte orgonicidade da criança no útero são altas orgonicidade e potência orgástica dos pais, ausência de anorgonia no útero, ausência de bacilos T e não haver excesso de CO2 no sangue materno.

Inversamente, baixa orgonicidade e impotência orgástica dos pais, anorgonia do útero, distúrbios na respiração do tecido interno, bacilos T no sangue materno, hiporgonia do sangue e encouraçamento muscular criam, juntos, as perturbações de funcionamento agora reconhecidas como possíveis causas de uma anorgonia posterior na criança.

A teoria mecanicista e mística da hereditariedade perde assim mais terreno para a patologia funcional. O problema não é mais o do dano embrionário herdado incontrolável, predispondo a criança ao câncer hereditário; em vez disso estamos lidando com funções vitais mutáveis, com quantidades de energia e distúrbios da pulsação. De facto, estes distúrbios criam uma tendência para a anorgonia, porém essa tendência não precisa de se desenvolver se circunstâncias favoráveis de vida erradicarem o dano inicial. O organismo vivo é muito adaptável, tanto às más como às boas condições de vida.

Na biofísica orgone considera-se o período que vai da formação do embrião até, mais ou menos, o final do primeiro ano de vida como um período crítico, em que a constituição do sistema orgonótico de funcionamento se estabelece. Essa constituição medida em termos de orgonicidade e capacidade pulsatória dos tecidos determina o grau de atividade plasmática do impulso.

O desenvolvimento embrionário devia ser pensado como algo que termina não no nascimento, mas sim na época – 10 a 12 meses de idade, grosso modo – em que todas as funções biológicas se fundem em um biossistema unificado, coordenado. Esse espaço de tempo de vida é decisivo para o funcionamento bioenergético posterior. O período crítico do desenvolvimento psíquico situa-se aproximadamente entre o terceiro e o quinto ano de vida. O que dele resulta é profundamente influenciado pelo progresso do período crítico biofísico anterior. É esse período anterior que detém a solução para o misterioso facto de que, depois do tratamento, mesmo quando todos os mecanismos patológicos foram trabalhados, algo intangível sempre permanece; um desânimo constante na atividade vital, uma quietude no organismo, uma irritabilidade – em suma, o que a psiquiatria clássica denomina habitualmente disposição inata.

Muitas coisas permanecem obscuras quanto à angústia de cair e à anorgonia. Nem a angústia nem a raiva são uma manifestação patológica do sistema vital. É natural que uma criança sinta medo quando cai ou quando um cão a ataca, e é natural que um bebé recém-nascido expresse raiva quando não são gratificadas as suas necessidades.

Porém, a angústia de cair é mais que um medo do perigo. Pode aparecer muito antes de qualquer consciência de perigo. Está relacionada às contrações rápidas do aparelho vital e, com efeito, é produzida por essas contrações. Assim como a queda real causa contrações, também a contração causa a sensação de cair. Pode-se, portanto, compreender que uma contração que ocorre no processo de expansão orgástica precipita a angústia de cair. E pode-se igualmente compreender porque a angústia de cair aparece quando se perfura a couraça muscular e são sentidas as primeiras correntes plasmáticas. Uma contração que ocorre em meio à expansão plasmática, perturba o senso de equilíbrio. Mas ainda há algo que permanece sem explicação. Tentemos assinalá-lo, mesmo que não o possamos explicar.

Uma função básica do sistema orgonótico vivo é que ele se opõe e supera a atração gravitacional da terra. A haste morta está completamente sujeita à força da gravidade; a haste viva cresce em direção oposta à força da gravidade. O voo dos pássaros depende da superação da força da gravidade. A postura vertical do homem requer uma enorme quantidade de equilíbrio contra a atração gravitacional. Sabemos que esse equilíbrio falha quando a unidade das funções motoras do corpo é perturbada de algum modo. Esse distúrbio motor pode ser puramente mecânico, como um ferimento na perna ou a degeneração nervosa por sífilis, porém também pode ser funcional. Anorgonia do corpo inteiro ou de órgãos essenciais do corpo significa perturbação na capacidade de equilíbrio, daí uma tendência para cair e a correspondente angústia de cair.  Até aqui o processo está claro, mas a manifestação da angústia de cair em um bebé de três semanas (precipitada, sabemos agora, pelo esfriamento da pele depois do banho) permanece misteriosa. É verdade que a função de contração vascular rápida já existe, porém, a experiência de cair não. De onde, então, se origina a expressão “angústia de cair”? Recorrer a uma experiência filogenética nada explicaria, porque uma experiência filogenética só é relevante quando ancorada na realidade. A função de memória não existe sem um mecanismo real.

Neste ponto devemos desistir de tentar entender completamente a anorgonia e a angústia de cair e nos contentarmos em compreender a relação entre o bloqueio da pulsação orgonótica e a perda da sensação de órgão e do equilíbrio. A relação da orgonicidade e da anorgonia com a gravidade está clara. No estado anorgonótico, os membros estão pesados e só se pode realizar um movimento com grande esforço. No estado de alta orgonicidade, por outro lado, a pessoa se sente leve, flutuando. Tomemos estas figuras de linguagem ao pé da letra e com seriedade. Na anorgonia há menos energia biológica livre e ativa. A massa inerte do organismo torna-se maior e, assim, mais pesada em relação à energia ativa que tem de mover o corpo. Na alta orgonicidade, há mais bioenergia livre e ativa e a massa do organismo torna-se mais leve em relação a ela. Estamos lidando com uma relação genuína, passível de alteração, entre massa e energia no biossistema.

Não é possível ir mais além no presente momento sem invocar o construto metafísico que supostamente pensa, sente, age e reage no pano de fundo das funções vitais. Isso não leva a lugar algum. Preferimos, portanto, esperar por uma oportunidade mais favorável para finalmente resolver o que permanece sem explicação. Por ora basta entender quão cedo e em que funções orgonóticas se instala o processo de encolhimento carcinomatoso e sua anorgonia.


                                                                            

 Texto retirado do livro A Biopatia do Câncer de Wilhelm Reich, editado em 1948

Sunday, November 09, 2008

Madrasta/Mãe



Madrasta

─ Mamã, tu és trabalhona!

A mãe, furiosa, largou uma bofetada na filha:

─ Não se chama trapalhona à mãe, toma, que é para aprenderes!

A menina, com pouco mais de três anos, encolheu-se num canto a chorar, balbuciando timidamente:

─ Eu não disse trapalhona eu disse tra-ba-lhona, por andares sempre a trabalhar.

Caindo em si, arrependida, a mãe pediu desculpa à filha, mas o mal estava feito.

Porque cada um de nós é a memória acumulada das suas experiencias do passado, principalmente as da infância, seremos aquilo que tivermos vivido, para o bem e para o mal.


Mãe

─ Mamã, tu és trabalhona!

A mãe ficou surpreendidíssima quando a filha, um dia, lhe saiu com aquela exclamação.

De início entendeu «trapalhona», mas, antes de tomar uma atitude, manteve a calma e procurou esclarecer o motivo de a filha lhe chamar trapalhona, uma vez que não costumava usar de mentiras para a convencer de qualquer coisa. Por feitio e por princípio, achava que isso seria um mau precedente para a confiança futura e ela acabaria por descobrir a verdade, mais cedo ou mais tarde.

De repente, acudiu-lhe ao espírito que ela tinha aprendido a palavra nova na escola e que não lhe conhecia muito bem o significado, por isso não poderia ser ofensiva a intenção, mas apenas ensaio e aprendizagem.

Então decidiu perguntar-lhe porque lhe chamava trapalhona e ela respondeu:

─ Não é trapalhona é trabalhona. Tu fazes tudo aqui em casa e ainda trabalhas com a L (a colega de emprego da mãe) e tens pouco tempo para brincar comigo.

Ainda por cima, a menina tinha inventado uma palavra que não existia.

A mãe, de queixos caídos pela intervenção observadora da filhota que ainda nem tinha quatro anos, conseguiu dizer:

─ Pois é, B. e tu ajudas a mãe?

─ Ajudo! ─ foi a resposta imediata.

As crianças são surpreendentes e aquela é a fase em que querem saber tudo e em que os pais terão tanto a ensinar-lhes como a aprender com elas.

Depois a mãe ficou pensar: “Se eu tivesse reagido bruscamente pela suposta ofensa, teria sido péssimo e não sei como me perdoaria.”

Nunca devemos ser injustos com as crianças; elas têm o direito de ser ouvidas e esclarecidas se disserem algo de errado, porque, afinal, nada é maldade, mas apenas aprendizagem por tentativa e erro, e é a fase mais bela da vida.

Os pais não a devem perder e muito menos estragar com intervenções infelizes, tomadas intempestivamente. Elas confiam neles para as ajudarem a crescer livres e felizes e, quando essa confiança é, de algum modo, continuamente traída é que a «maldade» aparece.