«Tive recentemente a oportunidade de observar o desenvolvimento
da angústia de cair de um bebé de três semanas. Esta observação preencheu uma
lacuna na investigação da biopatia do câncer.
O bebé em questão nasceu num ambiente em que a linguagem
expressiva do organismo é compreendida e utilizada profissionalmente. Foi,
portanto, ainda mais desconcertante que os pais se sentissem desamparados
quando confrontados com a linguagem gestual do bebé. Eles tinham a impressão de
que não se sabe absolutamente nada sobre a vida emocional de uma criança
recém-nascida. Obviamente, as necessidades emocionais do bebé não são
satisfeitas de modo algum através de cuidados puramente mecânicos. O bebé tem
apenas uma forma de comunicar as suas necessidades, a saber, chorando. Esta
única forma cobre um sem número de necessidades, grandes e pequenas, desde a
irritação com uma dobra da fralda até cólicas. A linguagem expressiva do bebé
não encontra resposta no ambiente.
Evitarei discutir aqueles tipos prejudiciais de cuidado de bebés
que a educação moderna já eliminou do mundo ou ainda está a combater: divisão
rígida das porções de alimento, e adoção inflexível de horários de alimentação,
extensão forçada das pernas em cueiros apertados, como era feito 30 anos atrás,
negar o peito durante as primeiras 24 horas, como ainda é praticado em muitos
hospitais, excesso de aquecimento dos berçários, prática de deixar os bebés
berrando, e assim por diante. Medidas compulsivas deste tipo expressam atitudes
hostis de pais e médicos em relação à vida. O seu efeito é o impedimento
imediato da autorregulação biológica do organismo após o nascimento, criando
base para uma biopatia posterior, que é então interpretada erroneamente como
defeito hereditário. Tudo isto é conhecimento comum hoje em dia, mesmo que
ainda não tenha tido impacto sobre a prática diária no cuidado de crianças.
Eu gostaria de me limitar aqui a uma influência prejudicial
específica nas primeiras semanas de vida que tem sido negligenciada até agora:
a ausência de contacto orgonótico, de natureza diretamente física ou
psicológica, entre o bebé e a pessoa que toma conta dele. A capacidade de
compreender a linguagem da expressão emocional do bebé depende deste contacto:
quanto mais completo o contacto orgonótico, melhor a compreensão.
Os lugares mais significativos do contacto do corpo do bebé são
a boca e a garganta, altamente carregadas do ponto de vista bioenergético. Este
órgão se lança em busca de gratificação desde o começo. Se o mamilo da mãe
reagir aos movimentos de sucção do bebé de maneira biofisicamente normal, com
sensações de prazer, ficará fortemente ereto e a excitação orgonótica do bico
se fundirá com a excitação da boca do bebé, até que ambas se tornem uma coisa
só, de modo semelhante ao que ocorre no ato sexual orgasticamente gratificante.
Nada há de anormal ou nojento nisto. Qualquer mãe saudável experimenta a sucção
como um prazer e cede a ele.
Todavia, cerca de 80% de todas as mulheres sofrem de anestesia
vaginal e frigidez. De modo correspondente, os seus mamilos são anorgonóticos,
isto é, “mortos”. A mãe pode desenvolver uma angústia ou aversão como resposta
àquilo que seria naturalmente uma sensação de prazer despertada no peito pela
sucção do bebé. É por este motivo que muitas mães não querem amamentar os seus
filhos. Além do mais, um seio anorgonótico funciona fisiologicamente pouco,
isto é, a produção de leite fica perturbada. Assim a boca excitada do bebé quer
com um mamilo “morto”, o que o impede de experimentar satisfação, quer com o
bico de borracha não excitável de uma garrafa a que o bebé ficou restrito por
causa da fobia da mãe.
A debilitação do funcionamento plasmático na região da boca,
pescoço e ombro que encontramos nas biopatias não deixa dúvidas de que os
severos danos à orgonicidade do bebé na região da cabeça e pescoço são causados
por estes distúrbios da mãe. Distúrbios da fala, falta de expressão emocional,
espasmos nos músculos do pescoço, distúrbios alimentares, vómitos espasmódicos
histéricos, medo de beijar, depressão, gagueira, mutismo e muitos outros são
consequências de um funcionamento orgonótico precário dos órgãos da boca e do
pescoço. Assim se dá o primeiro contacto fisiológico do bebé com o mundo.
Abordemos agora o contacto emocional, diretamente determinado
pelo contacto orgonótico. O bebé não tem outros meios de expressão à sua
disposição senão as diversas formas de movimento (caretas, movimentos dos
braços, pernas e tronco, expressões dos olhos) e o choro. No início, a mãe
capta a expressão dos gestos do bebé através do contacto orgonótico (pela
identificação, em termos psicológicos). Se o seu próprio organismo estiver
livre e emocionalmente expressivo, ela compreenderá o bebé. Porém, se for
encouraçada, caracterologicamente rígida, tímida ou inibida, não conseguirá
compreender a linguagem do bebé e, portanto, o desenvolvimento emocional da
criança será exposto a diversos tipos de influências prejudiciais. As
necessidades do bebé só podem ser satisfeitas se as suas expressões forem
compreendidas. Contudo o que ele quer exatamente nem sempre é fácil de saber.
Toda a criança recém-nascida possui a sua individualidade, o seu próprio tom de
expressão emocional que deve ser reconhecido para que as suas reações
emocionais individuais sejam compreendidas. O bebé neste caso particular de
angústia de cair se caraterizava por um “olhar esperto”. Essa forma de olhar
estava totalmente desenvolvida poucos minutos depois do nascimento, isto é, os
olhos do bebé estavam bem abertos e dava a impressão de estar a ver. Ele pegou
o peito imediatamente e com vigor. Durante a primeira semana não chorou muito.
Na segunda semana, no entanto, chorou com frequência e nenhuma das pessoas que
cuidavam dele era capaz de conceber o que o levava a chorar. Quem tentava
pacificá-lo nem sempre conseguia e muitas vezes eu tinha a sensação de que a
criança queria algo bem definido. Mas o quê? Duas semanas depois, entendi que o
que ele queria era contacto corporal. Terei que explicar este ponto.
Durante as poucas horas em que estava acordado, o bebé seguia
com os olhos as espirais vermelhas pintadas nas paredes do quarto. Ele
claramente preferia a cor vermelha ao azul ou verde; o seu olhar se fixava no
vermelho por muito mais tempo com uma expressão muito mais intensa.
Com duas semanas de idade, o bebé experimentou a sua primeira
excitação orgástica na boca. Aconteceu enquanto mamava: os globos oculares
viraram para cima e para os lados, a boca começou a tremer, a língua
estremeceu. Então as contrações se espalharam por todo o rosto. Depois de cerca
de 10 segundos, elas cederam e a musculatura da face relaxou. Esta excitação
pareceu perfeitamente natural aos pais, mas sabemos por experiência que muitos
pais ficam alarmados quando o seu filho experimenta o orgasmo oral. Nas quatro
semanas seguintes esses movimentos convulsivos ocorreram diversas vezes.
Ao término da sua terceira semana de vida, o bebé experimentou
um ataque agudo de angústia de cair quando era tirado do banho e colocado de
costas sobre uma mesa.
Não ficou imediatamente claro se o movimento de o deitar teria
sido muito rápido ou se o esfriamento da pele desencadeou a angústia de cair.
Seja qual for a causa, o bebé começou a gritar violentamente, esticou os braços
para trás como que para obter apoio, tentou trazer a cabeça para a frente,
mostrou um pânico absoluto nos olhos e não pôde ser acalmado. Teve de ser
tomado nos braços. Tão logo foi feita nova tentativa de o deitar a angústia de
cair reapareceu com a mesma violência. Só foi possível acalmá-lo tomando-o nos
braços.
Nos dias que se seguiram o braço direito e a escápula direita
ficaram retraídos e menos móveis do que o braço esquerdo. A contração da
musculatura do ombro direito era bastante nítida e a sua conexão com a angústia
de cair, clara. Durante o ataque de angústia a criança puxou os dois ombros
para trás como que se protegendo da queda e essa atitude muscular se manteve;
não conseguiu relaxar mesmo em períodos livres de angústia.
Acredito que há um grande significado ligado a este incidente.
Todavia, é possível excluir as seguintes explicações:
Não se poderia tratar de uma angústia de orgasmo genital do tipo
que acontece depois da puberdade. Nem poderia ser um medo racional, já que um
bebé com três semanas de idade não formou os conceitos de “cair”, “altura” ou
“profundidade”. Também não poderia ser o caso de angústia de cair
psiconeurótica, já que não existem conceitos antes do desenvolvimento da língua
falada e não pode haver fobia sem conceitos.
A explicação psicanalítica de angústia instintiva, oferecida
habitualmente em tais casos, não é satisfatória, pois a pergunta então seria:
que tipo de pulsão do ego estava sendo evitada? Não há algo como um ego moral
nesta idade e, de acordo com a teoria psicanalítica, quando não há defesa moral
também não pode haver angústia instintiva. Não há ego para sinalizar uma
irrupção pulsional por meio de crise de angústia.
Portanto, nem as explicações racionalistas nem as psicológicas
oferecem resposta. Como é possível ocorrer um ataque agudo de angústia num bebé
de três semanas que não possui nem consciência do perigo de cair nem um sinal
instintivo de defesa do ego contra a angústia? Recorrer à noção de uma angústia
instintiva, arcaica, inata, seria totalmente ocioso e nada provaria. Uma crise
de angústia é um distúrbio funcional e só pode ser compreendida em termos das
funções corporais orgonóticas.
Tentemos uma interpretação biofísica: se o medo do perigo e a
defesa contra o instinto tiverem de ser excluídos, o que permanece é o
mecanismo de prazer-angústia do sistema orgonótico corporal, que funciona desde
o primeiríssimo movimento do plasma. Em Psychischer Kontakt und Vegetative
Stromung (Contacto Psíquico e Corrente Vegetativa, 1934), tive que fazer a
afirmação de que a sensação de queda é uma ocorrência puramente biofísica
desencadeada por um retraimento rápido da energia biológica da periferia para o
centro vegetativo do organismo. É o mesmo tipo de sensação cinestésica de órgão
que acontece na queda real, no susto e quando ocorre a inibição súbita da
expansão orgástica. Como mostrei clinicamente, está sempre na raiz da angústia
do orgasmo. A pulsação rápida e extrema do orgasmo é experimentada como queda
se não puder seguir o seu curso sem impedimentos. Em contraste, a contração
orgástica não inibida conduz à sensação de flutuar ou voar.
O retraimento da bioenergia da periferia do corpo representa uma
anorgonia das extremidades; a perda do sentido de equilíbrio acompanha a
anorgonia dos órgãos que lhe dão suporte.
A angústia de cair não é, portanto, uma formação psíquica, mas a
simples expressão de anorgonia súbita naqueles órgãos que sustentam o
equilíbrio do corpo em oposição à atração gravitacional. Quer a angústia de
cair e a anorgonia sejam induzidas pela súbita investida da angústia do
orgasmo, pela queda real ou por uma contração de susto, o mecanismo continua o
mesmo: perda da motilidade plasmática periférica, acompanhada de uma perda do
sentido de equilíbrio e do equilíbrio em si. A experiência de angústia é uma
reação biofísica imediata à contração repentina do sistema plasmático. A
contração orgonótica, todavia, está relacionada à perda da motilidade
plasmática na periferia e, por esse motivo, se manifesta como medo de cair.
Se a imobilização acontece como resultado de um bloqueio de
prazer secundário ou por causa de uma contração de angústia primária, isso não
importa. O efeito é o mesmo: a sensação de queda é a perceção interna imediata
da imobilização da periferia do corpo e da perda de equilíbrio. O equilíbrio do
corpo no campo gravitacional é, portanto, uma função da pulsação orgonótica
plena na periferia do sistema orgonótico.
Será possível inferir uma causa para o ataque anorgonótico do
bebé? Penso que sim, pois, durante as duas primeiras semanas de vida,
aproximadamente, houve pouco contacto orgonótico da mãe com a criança.
Obviamente, houve fortes ímpetos de contacto corporal por parte da criança que
não foram satisfeitos. Então ocorreu o orgasmo oral, uma descarga totalmente
natural da intensa excitação na região da cabeça e garganta. Isto intensificou
a necessidade de contacto. A ausência de contacto levou a uma contração, um
retraimento daa energia biológica, como consequência dos vãos esforços para
estabelecer o contacto. Se fosse para empregar uma terminologia de psicologia
nesse caso, diríamos que a criança se resignou (que ficou frustrada). Porém, a
resignação biológica fez emergir a anorgonia e sobreveio a angústia de cair.
Por tentativa e erro, consegui vencer a angústia de cair do
bebé. Presumindo que as minhas conclusões estivessem corretas, achei que seria
necessário adotar três procedimentos:
1. Pegar na criança ao colo quando gritava. Foi útil e a
angústia de cair cessou cerca de três semanas depois. O medo de estranhos
surgiu com a angústia de cair. Antes do primeiro ataque a criança ia
alegremente nos braços de qualquer estranho; depois do ataque ela começava a
chorar de medo.
2. Os ombros, mantidos em posição retraída, foram suavemente
movidos para a frente de modo que eliminasse esse primeiro surgimento de uma
couraça caracterológica na região. Fiz isso em tom de brincadeira, rindo e fazendo
sons que a criança adorou. O procedimento foi adotado diariamente durante cerca
de dois meses, sempre como se fosse brincando.
3. A criança realmente tinha de receber a “permissão de cair”
para se acostumar com a sensação de queda. Era pegada pelas axilas, levantada e
abaixada com delicadeza, lentamente no começo, depois cada vez mais rápido. No
início reagiu chorando, mas com o passar do tempo começou a gostar dos
movimentos. Logo desenvolveu uma brincadeira a partir dessa rotina de ser
levantada e abaixada. Quando conseguia manter-se na vertical, começava a fazer
movimentos de andar com as pernas. Ela se inclinava encostando no meu peito e
olhava para cima em direção à minha cabeça. Compreendi. Queria-me escalar.
Quando chegava ao topo da minha cabeça gritava de alegria. Nas semanas
seguintes o subir e cair tornou-se na sua brincadeira predileta.
Felizmente a primeira reação biopática fora superada. Durante os
seis meses seguintes não observámos nenhum sinal de angústia de cair.
É importante seguir o desenvolvimento desse bebé em uma área
diretamente ligada ao encolhimento biopático; se o encolhimento carcinomatoso
do organismo adulto assenta na contração e resignação crónicas adquiridas em
idade precoce, pode-se concluir que a prevenção da biopatia de encolhimento
depende do desenvolvimento sem perturbações dos impulsos vitais nos primeiros
meses de vida.
Sem dúvida seria mais simples e mais popular desenvolver um
remédio contra o processo de encolhimento no câncer, mas já que é impossível,
não temos alternativa senão nos concentrarmos na educação económico-sexual de
um bebé recém-nascido. Até onde posso ver não há outra saída, apesar das graves
implicações sociais envolvidas nesse curso de ação.
Começamos com a falta de compreensão do adulto em relação à
linguagem expressiva de bebés recém-nascidos. Esta lacuna tem graves
consequências e é bastante generalizada. Os pais do bebé acreditavam, neste
caso, serem particularmente compreensivos por permitir que o bebé regulasse por
si os horários e a quantidade de alimentos ingeridos. Porém, e já na quarta
semana de vida, observámos uma angústia que se manifestava em choros repetidos.
No começo não entendemos. Lentamente a simples observação nos revelou que é
extremamente enfadonho ficar deitado sozinho num berço durante horas, dia após
dia, com paredes altas dos dois lados e coberto na parte de cima.
A vivacidade do bebé recém-nascido requer vivacidade do seu
ambiente. Ele prefere cores vibrantes a tons cinzentos ou opacos, e objetos que
se movem em vez de objetos parados. Ao colocarmos o bebé no carrinho de modo
que as paredes não obstruam a sua visão e tirarmos a parte de cima, ele pode
ver tudo ao seu redor sem dificuldade e exibirá um interesse vivaz pelas
pessoas que passam, pelas árvores, postes, muros e assim por diante.
O conceito de autismo da criança, de ser ela voltada para
dentro, é tão erróneo quanto difundido. O autismo é um artefacto causado pelo
comportamento dos adultos. É gerado artificialmente pelo rígido isolamento do
bebé, pela couraça caracterológica dos adultos que cuidam dele e também pelos
teóricos do cuidado infantil. É bastante compreensível que o bebé não saia dele
mesmo, ou só o faça com a maior dificuldade, nas situações em que só depara com
regras inflexíveis e comportamentos não autênticos, em vez de calor humano.
É verdade que hoje em dia os bebés recém-nascidos, e, sua
maioria são silenciosos e retraídos. Porém a lordose ou a neurose de angústia
serão naturais só por serem comuns? Enquanto familiares, médicos e educadores
abordarem os bebés com comportamentos falsos e rígidos, opiniões inflexíveis,
condescendência e intromissão em vez de contacto orgonótico, os bebés
continuarão sendo silenciosos, retraídos, apáticos, autistas, esquisitos e,
posteriormente, animaizinhos selvagens que os doutos entendem que devem
domesticar.
Este mundo não mudará, apesar de todos os discursos políticos,
enquanto os adultos não conseguirem se dar ao trabalho de evitar o seu próprio
entorpecimento, resultante da influência que exercem no sistema plasmático
ainda incólume do bebé.
Num bebé de poucas semanas é possível evocar um prazer
entusiasmado e respostas vivazes quando se fala com ele nos sue sons guturais e
acima de tudo mantendo um contacto vívido. O comportamento falso do adulto
força a criança a voltar-se para si mesma inevitavelmente. Não há exagero em
afirmar que 90% dos adultos ainda estão completamente desatentos a essa questão
específica e, por este motivo, se produzem constituições biopáticas todos os
dias.
Deficiências extremamente interessantes relativas à secreção
interna e às funções enzimáticas são resultados e sintomas, não as causas das
posteriores doenças do biossistema. Isto deve estar certo se o ponto de vista
mecânico-químico da biologia estiver incorreto, e está incorreto. O estado de
saúde miserável da população deste planeta é prova suficiente.
O Modo horrendo como hindus, japoneses e qualquer tipo de
asiático autoritário educam bebés não deveria ser uma surpresa tão grande para
nós. Não somos muito melhores por aqui no ocidente “culto”. Só são diferentes
os métodos de domesticar os “animaizinhos selvagens”. O Espírito da velha
solteirona, intolerante com qualquer coisa viva ao seu redor, seja o que for, é
o mesmo.
Dentro de vinte ou cinquenta anos, será lugar comum a ideia de que
pessoas que cuidam de bebés devem elas mesmas ter a experiência do amor e seus
organismos devem conhecer a sensação de convulsão orgástica antes que possam
entender uma criancinha. Estou bem consciente de quão repugnante isso possa
soar para determinados ouvidos hoje, mas, mesmo assim, na experiência diária,
continua a ser verdade que o maior perigo ao desenvolvimento saudável da
criança consiste de educadores orgasticamente impotentes.
O assim chamado autismo da criança de tenra idade – sua
imobilidade, sua palidez, seu retraimento – é um artefacto da educação, um
produto da nossa total infelicidade social. A diarreia, a anemia e outras
doenças logo serão colocadas nessa categoria também, uma afirmação que pode
parecer exagerada, mas não é. Se a função intestinal é vegetativa por natureza,
o que é um facto, então o desenvolvimento emocional (isto é, biofísico e
orgonótico) perturbado da criança deve ter um papel crucial na diarreia, na
palidez, na anemia e assim por diante. Não há sentido em falar de “infelicidade
social” atualmente porque, analisando essa infelicidade social em última
instância, ela mesma resulta de um mundo de animais humanos embrutecidos, de um
mundo em que há sempre dinheiro para mais do que suficiente para guerras, mas
nunca o suficiente para assegurar a proteção da vida. Isso existe porque seres
humanos embrutecidos, enrijecidos, não têm uma compreensão do que é vivo; na
verdade, eles o temem. Não há espécie de infelicidade social que se iguale à
infelicidade dos bebés de pais biopáticos.
Há uma conceção errónea difundida de que os atos de agarrar,
engatinhar, andar e outras funções similares simplesmente aparecem um dia, de
que uma criança começa a agarrar com x semanas, engatinhar com y e andar com z
semanas. É surpreendente que os pediatras não tenham elaborado um esquema de
quantos passos o bebé deve dar por dia, exatamente como determinam o número
diário de calorias que deve ingerir. Um mamilo erogenamente vitalizado e um
contacto caloroso com a mãe são muito mais eficazes que quaisquer prescrições
de substâncias químicas para estimular a digestão e o funcionamento total do
corpo do recém-nascido. Uma vez estabelecido o contacto entre o bebé e um
ambiente caloroso, compreensivo, então – e somente então – podem ser observados
os processos naturais, em vez dos produtos artificiais de uma educação
patológica. Os próprios educadores precisam de se tornar sexualmente saudáveis
para que as suas afirmações científicas sobre crianças possam ser precisas. Na
minha opinião, qualquer afirmação devia ser – e não há dúvida de que será um
dia – julgada de acordo com a estrutura de caráter da pessoa que a pronuncia.
É preciso primeiro estabelecer um quadro de referência para se
chegar a observações precisas. Se o contacto orgonótico está presente, é
possível observar as diversas funções se manifestando no bebé bem antes que
elas tenham um propósito. O olho, por exemplo, segue uma mão em movimento. O
movimento de fechar a mão se desenvolve bem antes de o bebé agarrar qualquer
objeto e nada tem a ver com o reflexo de agarrar mecânico. O agarrar com
propósito se desenvolve gradualmente pela fusão de muitas funções, isto é, pela
coordenação articulada de movimentos de órgãos não coordenados anteriormente. A
visão com propósito, por exemplo, se estabelece quando o olho entra em contacto
com algo que se move no ambiente e isso induz ao prazer.
Depois de realizar o
ato de ver, a função, já complicada, busca novos assuntos agradáveis nos quais
fixar o olhar. Estímulos desagradáveis produzem contrações e não desenvolvem o
ato de olhar. A quantidade excessiva de angústia e desprazer experimentada
pelos nossos bebés leva posteriormente a olhos sem brilho, miopia, restrição de
movimentos das pálpebras e, com ela, expressão morta dos olhos.
Diante destes factos, o que se pode fazer com o engano
mecanicista de que ver é a resposta da retina a um raio de luz? É claro, mas a
reação da retina é apenas um veículo, um meio de enxergar. Será a dança de uma
criança apenas o contacto dos pés com o chão ou apenas tal ou qual sequência de
contrações de músculos? Nesse exemplo revela-se com muita clareza o vazio de
todas as interpretações mecanicistas da vida.
A criança olha para você de um jeito quando você sorri para ela
e de outro quando você franze as sobrancelhas. Portanto o elemento crucial é a
expressão motora do plasma, não os músculos, reações e contrações musculares
individuais, e assim por diante. O raio de luz que atinge a retina sempre
envolve o mesmo processo de comprimentos de onda estabelecidos. Todavia, o olho
do bebé pode estar brilhando ou entorpecido, dependendo da turgidez do tecido,
que aumenta com o prazer e é inibida pela ansiedade.
Uma pessoa que estabeleceu um bom contacto com o bebé pode
encorajar as suas funções. Sempre que me aproximava, o bebé que eu estava
observando fazia movimentos de andar enquanto deitado, para me indicar o seu
desejo de andar. Quando estava com três meses e meio, ficava em êxtase quando o
pegava por baixo dos braços e o deixava colocar os pés ritmicamente no chão e
se mover. Olhava continuamente para as paredes para se convencer de que havia
movimento, isto é, que os objetos se moviam e passavam por ele.
Crianças passam por uma fase de desenvolvimento caraterizada
pela atividade vigorosa da musculatura da voz. A alegria que o bebé tira de
ruídos altos (gritar, guinchar e formar uma variedade de sons) é considerada
por muitos pais como agressividade patológica. Em consequência, as crianças são
admoestadas a não gritar, a ficar quietas. Os impulsos do aparelho vocal são
inibidos, a sua musculatura torna-se cronicamente contraída e a criança fica
quieta, “bem-educada” e se retrai. O efeito dessa educação equivocada logo se
manifesta em distúrbios de alimentação, apatia geral, palidez da face e outros.
Distúrbios da fala e retardos no seu desenvolvimento têm presumivelmente essa
causa. No adulto vemos os efeitos de tal tipo inadequado de educação na forma
de espasmos na garganta. A contração automática da glote e da musculatura
profunda da garganta com subsequente inibição dos impulsos agressivos da cabeça
e pescoço parece ser particularmente caraterística. A experiência clínica nos
ensinou que se deve permitir às crianças pequenas que berrem quando o berro é
inspirado pelo prazer. Isto pode não agradar a certos pais, mas as questões de
educação devem ser decididas exclusivamente com vista aos interesses da
criança, não dos adultos.
Q
uero deixar claro que vejo a origem do processo de encolhimento
biopático como dependente de funções psíquicas e físico-químicas da atividade
bio-emocional do organismo no começo do seu desenvolvimento. Aqui e só aqui
serão encontrados os meios para a prevenção deste processo, não em remédios ou
teorias culturais de sublimação.
Tenho enfatizado a dependência que têm as funções
psicossomáticas das funções bioenergéticas da pulsação plasmática. A atividade
pulsatória vívida desde o primeiro momento do nascimento é a única prevenção
que se pode conceber contra a contração crónica e o encolhimento prematuro.
A pulsação bioenergética é uma função completamente dependente
das estimulações do ambiente e do contacto com ele. A estrutura de caráter dos
pais forma uma parte crucial desse ambiente, principalmente a da mãe, que
proporciona o ambiente desde que se forma o embrião até ao momento do
nascimento.
Gostaria agora de discutir os poucos entendimentos que temos
sobre o desenvolvimento pré-natal do organismo. Eles não são muitos nem
decisivos. Haverá muito mais que aprender antes que seja possível desvendar o
obscuro problema da hereditariedade. Porém, as notas que se seguem – nada são
além disso – se constituem num começo que pode conduzir a um conhecimento
prático mais adiante.
Se for para situar o surgimento de uma biopatia de encolhimento
no estágio embrionário do desenvolvimento, a próxima indagação dirá respeito à
influência do sangue materno no embrião, isto é, o efeito da orgonicidade do
organismo da mãe, especialmente a condição bioenergética dos órgãos genitais
dela, no embrião.
As contrações do embrião de galinha que foram demonstradas em
filme confirmam a natureza clónica pulsatória do crescimento embrionário. A
vitalidade de um embrião se manifesta nessas contrações. A própria forma da
bexiga mostra que operam aqui as funções bioenergéticas caraterísticas da
protusão protoplasmática, que pode ser mais bem estudada observando o fluxo das
amebas. É preciso supor que um útero livremente contrátil oferece um ambiente
muito mais favorável para um embrião que um útero espástico e anorgonótico.
Além disso a capacidade de carga do tecido materno é transmitida ao embrião.
Esta é, afinal, uma parte funcional da mucosa uterina.
Compreende-se perfeitamente, portanto, que os filhos de mulheres
orgasticamente potentes sejam tão mais vitalizados que os filhos de mulheres
frígidas, encouraçadas – uma afirmação que pode ser facilmente confirmada. A
assim chamada hereditariedade de temperamento fundamentalmente nada mais é que
o efeito do tecido materno no embrião. Concebido desta forma, pode-se ter
acesso a parte do problema da hereditariedade do caráter pela primeira vez. Como
as funções emocionais são determinadas pelas funções orgonóticas da energia, é
compreensível que o carater seja apenas uma questão de grau de atividade
energética. Em outras palavras, o temperamento é uma expressão da quantidade de
atividade pulsatória do sistema orgonótico corporal.
Assim, o fator hereditário seria tangível, em princípio, como um
fator quantitativo de energia. É simplesmente lógico que um sistema rico de
energia se resigne menos facilmente que um sistema empobrecido de energia. A
legitima conclusão é que o nível de energia de um embrião é determinado pelo nível
de energia dos órgãos genitais maternos. Quantitativamente a deficiência de
energia pode ser compreendida como uma diminuição da orgonicidade e
compreendida funcionalmente como atividade pulsatória reduzida do plasma. É bem
provável que a redução da pulsação plasmática no embrião possa causar anorgonia
secundariamente. Assim, não podemos supor automaticamente que o próprio embrião
seja de início anorgonótico, embora a mãe possa ter sofrido de uma diminuição
do metabolismo da energia orgone. É preciso considerar duas possibilidades: a
anorgonia interna do embrião e a anorgonia resultante da anorgonia do aparelho
genital materno.
Prossigamos nessa linha de raciocínio mais um pouco. Naturalmente,
as observações concretas corrigirão ou ampliarão o que está agora obscuro.
Durante o ato sexual dos pais, o embrião participa da contração
orgástica do útero. Não pode ser de outro modo, por causa da situação
fisiológica e anatómica. Antes do nascimento também ocorrem contrações do
desenvolvimento que não se podem distinguir bioenergeticamente das contrações
estimuladas pelo orgasmo da mãe. Se além disso o organismo da mulher possuía
uma alta orgonicidade antes da gravidez, então as condições bioenergéticas para
a orgonicidade do embrião são favoráveis. Essas condições são posteriormente
qualificadas pela estrutura de caráter genital dos pais, que continua na
dimensão do desenvolvimento psíquico aquilo que foi estabelecido pela função
bioenergética no embrião. Depois do nascimento o bebé recém-nascido experimenta
contrações orgásticas independentes na cabeça e no pescoço.
Como a alta orgonicidade conduz a uma atividade instintiva
forte, evita-se a anorgonia. Assim, a propensão para uma biopatia de encolhimento
carcinomatosa ou uma anorgonia, torna-se improvável, mas não inteiramente
impossível. Posteriormente, influências destrutivas podem forçar até o
organismo mais vigoroso à resignação e ao encolhimento.
Mas voltemos ao nosso bebé recém-nascido: a partir do quinto mês
de gravidez, os movimentos da criança foram extraordinariamente vigorosos, na
verdade tanto que a mãe chegou a sentir dores.
Recapitulando: os pré-requisitos biossociais para uma forte orgonicidade
da criança no útero são altas orgonicidade e potência orgástica dos pais,
ausência de anorgonia no útero, ausência de bacilos T e não haver excesso de
CO2 no sangue materno.
Inversamente, baixa orgonicidade e impotência orgástica dos pais,
anorgonia do útero, distúrbios na respiração do tecido interno, bacilos T no
sangue materno, hiporgonia do sangue e encouraçamento muscular criam, juntos,
as perturbações de funcionamento agora reconhecidas como possíveis causas de
uma anorgonia posterior na criança.
A teoria mecanicista e mística da hereditariedade perde assim
mais terreno para a patologia funcional. O problema não é mais o do dano
embrionário herdado incontrolável, predispondo a criança ao câncer hereditário;
em vez disso estamos lidando com funções vitais mutáveis, com quantidades de
energia e distúrbios da pulsação. De facto, estes distúrbios criam uma
tendência para a anorgonia, porém essa tendência não precisa de se desenvolver
se circunstâncias favoráveis de vida erradicarem o dano inicial. O organismo
vivo é muito adaptável, tanto às más como às boas condições de vida.
Na biofísica orgone considera-se o período que vai da formação
do embrião até, mais ou menos, o final do primeiro ano de vida como um período
crítico, em que a constituição do sistema orgonótico de funcionamento se
estabelece. Essa constituição medida em termos de orgonicidade e capacidade
pulsatória dos tecidos determina o grau de atividade plasmática do impulso.
O desenvolvimento embrionário devia ser pensado como algo que
termina não no nascimento, mas sim na época – 10 a 12 meses de idade, grosso
modo – em que todas as funções biológicas se fundem em um biossistema
unificado, coordenado. Esse espaço de tempo de vida é decisivo para o
funcionamento bioenergético posterior. O período crítico do desenvolvimento
psíquico situa-se aproximadamente entre o terceiro e o quinto ano de vida. O
que dele resulta é profundamente influenciado pelo progresso do período crítico
biofísico anterior. É esse período anterior que detém a solução para o
misterioso facto de que, depois do tratamento, mesmo quando todos os mecanismos
patológicos foram trabalhados, algo intangível sempre permanece; um desânimo
constante na atividade vital, uma quietude no organismo, uma irritabilidade –
em suma, o que a psiquiatria clássica denomina habitualmente disposição inata.
Muitas coisas permanecem
obscuras quanto à angústia de cair e à anorgonia. Nem a angústia nem a raiva
são uma manifestação patológica do sistema vital. É natural que uma criança
sinta medo quando cai ou quando um cão a ataca, e é natural que um bebé
recém-nascido expresse raiva quando não são gratificadas as suas necessidades.
Porém, a angústia de cair é mais que um medo do perigo. Pode
aparecer muito antes de qualquer consciência de perigo. Está relacionada às
contrações rápidas do aparelho vital e, com efeito, é produzida por essas
contrações. Assim como a queda real causa contrações, também a contração causa
a sensação de cair. Pode-se, portanto, compreender que uma contração que ocorre
no processo de expansão orgástica precipita a angústia de cair. E pode-se
igualmente compreender porque a angústia de cair aparece quando se perfura a
couraça muscular e são sentidas as primeiras correntes plasmáticas. Uma
contração que ocorre em meio à expansão plasmática, perturba o senso de
equilíbrio. Mas ainda há algo que permanece sem explicação. Tentemos
assinalá-lo, mesmo que não o possamos explicar.
Uma função básica do sistema orgonótico vivo é que ele se opõe e
supera a atração gravitacional da terra. A haste morta está completamente
sujeita à força da gravidade; a haste viva cresce em direção oposta à força da
gravidade. O voo dos pássaros depende da superação da força da gravidade. A
postura vertical do homem requer uma enorme quantidade de equilíbrio contra a
atração gravitacional. Sabemos que esse equilíbrio falha quando a unidade das
funções motoras do corpo é perturbada de algum modo. Esse distúrbio motor pode
ser puramente mecânico, como um ferimento na perna ou a degeneração nervosa por
sífilis, porém também pode ser funcional. Anorgonia do corpo inteiro ou de órgãos
essenciais do corpo significa perturbação na capacidade de equilíbrio, daí uma
tendência para cair e a correspondente angústia de cair. Até aqui o processo está claro, mas a
manifestação da angústia de cair em um bebé de três semanas (precipitada,
sabemos agora, pelo esfriamento da pele depois do banho) permanece misteriosa.
É verdade que a função de contração vascular rápida já existe, porém, a
experiência de cair não. De onde, então, se origina a expressão “angústia de
cair”? Recorrer a uma experiência filogenética nada explicaria, porque uma
experiência filogenética só é relevante quando ancorada na realidade. A função
de memória não existe sem um mecanismo real.
Neste ponto devemos desistir de tentar entender completamente a
anorgonia e a angústia de cair e nos contentarmos em compreender a relação
entre o bloqueio da pulsação orgonótica e a perda da sensação de órgão e do
equilíbrio. A relação da orgonicidade e da anorgonia com a gravidade está
clara. No estado anorgonótico, os membros estão pesados e só se pode realizar
um movimento com grande esforço. No estado de alta orgonicidade, por outro
lado, a pessoa se sente leve, flutuando. Tomemos estas figuras de linguagem ao
pé da letra e com seriedade. Na anorgonia há menos energia biológica livre e
ativa. A massa inerte do organismo torna-se maior e, assim, mais pesada em
relação à energia ativa que tem de mover o corpo. Na alta orgonicidade, há mais
bioenergia livre e ativa e a massa do organismo torna-se mais leve em relação a
ela. Estamos lidando com uma relação genuína, passível de alteração, entre
massa e energia no biossistema.
Não é possível ir mais além no presente momento sem invocar o
construto metafísico que supostamente pensa, sente, age e reage no pano de
fundo das funções vitais. Isso não leva a lugar algum. Preferimos, portanto,
esperar por uma oportunidade mais favorável para finalmente resolver o que
permanece sem explicação. Por ora basta entender quão cedo e em que funções
orgonóticas se instala o processo de encolhimento carcinomatoso e sua
anorgonia.
Texto retirado do livro A Biopatia do Câncer de Wilhelm Reich, editado em 1948