Monday, August 27, 2007

Dedicação de uma Cadela


António e Jesuína, viviam da agricultura no tempo do Salazar.
Cultivavam as suas próprias terras que, à custa de muito trabalho, lhes davam tudo o que era necessário para pouco mais que sobreviver. Ainda assim, para os padrões da época e da aldeia, podia-se dizer que eram lavradores abastados: vendiam os excedentes de batata, milho, feijão, leite e vinho e possuíam duas vacas amarelas, a força de tracção para o trabalho, e duas vacas turinas que forneciam o leite, uma das «riquezas» da casa.
As três filhas que conseguiram criar, mal atingiram a idade da razão passaram a ser mão-de-obra para as exigências do trabalho, mas fizeram a instrução primária até à quarta classe.
Não havia protecção de menores, direitos das crianças, segurança social. Para tudo, o núcleo familiar era competente, protector e soberano e tinha de se bastar a si mesmo com as poupanças que conseguia juntar.
E o mundo era limitado pelas paredes da casa e pelos limites da aldeia.
Por alturas em que a filha mais velha já namorava, possuíam uma cadela muito dedicada e meiga, que acompanhava as raparigas quando iam tomar conta do gado a pastar em algum dos terrenos que lhes pertenciam.
Um dia foram as três e o namorado da mais velha tomar conta das vacas para um terreno mais distante de casa e, como de costume, a cadela acompanhou-os abanando a cauda de alegria.
No regresso a casa, ao fim da tarde, deram por falta da cadela e nenhuma sabia o que lhe tinha acontecido.
Não a foram procurar porque ela conhecia muito bem o caminho e esperavam que acabasse por aparecer.
Mas os dias iam passando e nada da cadela aparecer. Não sabiam o que pensar e decidiram que teria tomado outro rumo por algum motivo ignorado.
Quase duas semanas depois, voltaram a ir com as vacas para o mesmo terreno e, ao aproximarem-se do sítio, apareceu-lhes a cadela, magra, cheia de fome, o pelo a cair, em suma, muito feia da privação de alimentos, mas ainda assim, com energia bastante para manifestar a enorme alegria que sentia por ver de novo as donas.
Ela agitava-se parecendo chamar as raparigas para um determinado local do terreno. Perante a insistência do animal, uma das irmãs resolveu segui-la a ver o que ela queria, e qual não foi o seu espanto quando, ao chegar ao local, viu o casaco do namorado da mais velha esquecido no chão com sinais evidentes de a cadela ter dormido em cima dele.
Foi então que entendeu tudo. Chamou as duas irmãs e mostrou-lhes a peça de roupa.
Nem o rapaz que tinha tirado o casaco da outra vez, se tinha lembrado mais dele e a cadela tinha permanecido aquele tempo todo a tomar conta do objecto que, para ela, pertencia às donas.
Muito debilitada pelos muitos dias sem a satisfação das suas necessidades nutritivas, ficou doente, mal podia comer já, e acabou por sucumbir perante o desgosto enorme das raparigas que nunca mais a conseguiram esquecer.

Esta história foi verídica e passou-se na família do autor há uns anos atrás.