Vida Humana
Aqueles que estão seguros de que a vida humana se inicia no momento da fecundação, definindo-se fecundação como a combinação de um óvulo com um espermatozóide, não estaremos longe da verdade se acreditarmos que são, na maioria, cristãos convictos, seguidores da doutrina da igreja católica romana e crentes nos seus dogmas.
Lamentamos não possuir aquela segurança, porque é mais fácil viver de acordo com certezas do que na dúvida de pesquisas incessantes e deduções cansativas e intermináveis.
Pois para esses um raciocínio simples talvez comece a colocar também algumas dúvidas nos seus espíritos, e ele é o seguinte:
Maria, mãe de Jesus, concebeu virgem. Partindo do princípio de que a afirmação anterior é verdadeira, pelo menos para uma mulher e para o seu filho, históricos, a vida humana começou num óvulo e, se aconteceu com uma, nada nos impede de acreditar que possa ter acontecido e que aconteça com outras mulheres. Então aqui, notoriamente, a vida começa no óvulo (Em algumas outras espécies isso acontece). Se assim é, qualquer raspagem intra-uterina deveria ser considerada criminosa, por ser um atentado contra uma vida humana.
O mesmo se diria, por coerência, a propósito do desperdício deliberado de espermatozóides.
Infelizmente só temos notícia histórica de uma concepção naqueles moldes. E quanto a concepções a partir de espermatozóides, não existe nenhum.
Histórias da carochinha? Também achamos que sim. Mas elas mostram-nos que, ou somos coerentes nas nossas crenças ou o melhor será não aceitarmos verdades apriorísticas da razão, porque simplesmente acreditar, nunca foi critério seguro da verdade.
É certo que a definição de inicio da vida tem de ser estabelecida à priori para ser seguida por todos, e não deixada ao critério de cada um, numa sociedade «altamente organizada».
Então, se não podemos ter a certeza de nada, estabeleçamos um princípio que o bom senso nos diga que é o melhor para todos e não apenas para alguns, porque, no fundo, é exactamente disso que se trata. E, quando falamos de todos não estamos a incluir óvulos, nem espermatozóides, nem ovos.
A defesa da vida vai muito para além de defender o desenvolvimento de um ovo no interior de um útero:
Ela passa por respeitarmos em cada bebé que nasce, a sua espontaneidade natural.
Ela passa por respeitarmos os direitos naturais das crianças e isso significa que não somos donos delas, que são seres livres e que não temos o DIREITO de lhes impormos regras contrárias à sua natureza. Porque essa natureza é deus e estaremos a assassinar deus se o fizermos.
Ela passa também por assegurarmos a todas as crianças uma vida em que não lhes falte a satisfação das suas necessidades mais básicas de sobrevivência.
Ela passa por proporcionarmos às crianças um meio em que possam crescer felizes no exercício de todas as suas tendências e necessidades naturais.
Assim, e que nos perdoem os que o fazem sabendo fazê-lo, lamentamos concluir que não conhecemos ninguém, nem nenhuma instituição (excepto talvez a escola de Summerhill, na Inglaterra) que respeite a vida humana.
Nunca uma sociedade capitalista dará a todas as mulheres as condições necessárias para poderem levar até ao fim uma gravidez bem sucedida, por razões óbvias.