Tuesday, January 16, 2007

O Novo Ano!...

Porque desejamos uns aos outros um Feliz Ano Novo, se a nossa felicidade consiste, na maioria dos casos, em ter ideias e atitudes que entram em conflito precisamente com essa mesma felicidade?

Começou um novo ano que desejamos sempre seja melhor do que o que terminou, mas sempre esperamos que essa melhoria caia do céu, como o maná outrora na terra prometida, como se não tivéssemos qualquer responsabilidade na forma como cada ano decorre, nem devêssemos alterar os nossos hábitos, os nossos modos de pensar e os nossos procedimentos, para alcançarmos essa melhoria.

Os próximos anos só podem piorar: cada vez são mais frequentes as notícias dos efeitos do aquecimento global.
Mas, para dar apenas um exemplo, continuamos a adorar inúteis competições de veículos que queimam combustíveis fósseis. No Lisboa-Dacar os nossos meninos-ricos, além andarem a contribuir para a degradação do planeta, levam as suas barriguinhas cheias a exibir-se perante o olhar pasmado de milhares de africanos esfomeados, mostrando-lhes como se vive bem na Europa, tão bem que se podem dar ao luxo de desperdiçar, tentando-os a emigrar para cá e depois metendo-os na prisão e correndo com eles.
Porque continuamos a alimentar um sistema que faz de nós o que quer, contra as nossas necessidades naturais, dando-nos sempre a ilusão de que somos livres de escolher?
Tão livres que permite que se organizem grupos de manipulação das vontades, do discernimento e da consciência de cada um, no caso do referendo sobre a despenalização do aborto?
Porque não deixam cada um de nós pensar em paz, discernir por si mesmo, em liberdade e sem influências externas? Com que direito nos fazem isso? Com que interesse?
Com o interesse de quem tem medo de que um dia a mulher consiga libertar a sua sexualidade natural, os homens comecem a ser livres e não mais seja possível uns poucos usarem os restantes para o seu próprio enriquecimento.
Se nos preocupamos com a vida humana e há tantas crianças necessitadas a precisarem de ajuda porque não nos dedicamos a elas?
Os poderes religiosos que revelam um tão enorme zelo na defesa da vida, quando se trata do aborto, desfazem-se por acaso das suas riquezas para evitar que todos os segundos morram crianças de fome em algum lugar da terra?
Eles não defendem a vida, como nos querem fazer acreditar!
Se o fizessem procurariam impedir com que os seus seguidores participassem de organizações criadas para matar. Ora, nunca nas nossas consciências foi colocada em questão a validade de um serviço militar. Pelo contrário, as religiões têm estimulado e patrocinado guerras.
Eles não defendem a vida; eles opõem-se a tudo o que se relacione com a libertação da sexualidade natural e sabem porque o fazem.

Assim mantêm uma humanidade psicologicamente doente e infeliz, que continua a transmitir aos filhos essa doença de que padece e é a causa de todos os males que ela mesma deplora, mas não sabe porque acontecem nem como os evitar.
É neste deserto interior que as ideologias religiosas encontram terreno fértil.

Vivemos uma época de tão grande desenvolvimento científico e tecnológico e a irracionalidade continua a dirigir o mundo!

Ainda há pais que por medo, vaidade, ou snobismo, mas sempre «boa intenção» e ignorância, enviam os seus filhos para escolas privadas, caras, para que as suas mentes sejam formadas no cadinho da irracionalidade fascista, muitas vezes sem terem consciência disso.

Defendemos a penalização do aborto em nome da vida humana e mantemos todas as outras formas de repressão e anulação da mesma vida. Onde está a nossa pretensa moralidade e coerência?
O que é a VIDA HUMANA afinal?

Vamos imaginar por momentos que éramos mamíferos ovíparos.
Seria obrigatório a mulher chocar cada ovo «galado» sob pena de ser acusada de prática de aborto e atentado contra a vida humana? Ou poderíamos livremente fazer omeletas?
Num ovo de galinha, por exemplo, em que momento começa a vida de um pinto,
quando o óvulo se combina com o espermatozóide ou no inicio do choco?
Se os galináceos tivessem uma moral de defesa das suas vidas como seria ela?

Pensar que a vida humana começa no momento da fecundação não passa de uma opinião sem bases científicas rigorosas e, portanto, não temos o direito de a impor aos outros. E assim, se eu votar contra a despenalização, é isso mesmo que estou a fazer: a arrogar-me um direito que não tenho.
Poderíamos considerar que a vida começa na bolsa seminal e no ovário quando um espermatozóide e um óvulo ficam prontos para a fecundação. Quem, ou o quê, nos poderiam impedir? Nenhum conhecimento científico, certamente, por mais que alguns, por motivos inconfessáveis, o afirmem.
Enquanto não estabelecermos uma definição científica rigorosa sobre o que é a Vida Humana e o momento exacto do seu início, de um modo que todos percebam e aceitem sem imposição externa, as opiniões a esse respeito não passarão disso mesmo.

Assim, seja qual for a nossa opinião sobre o momento em que começa uma vida humana, devemos votar a favor da despenalização.

Parece-nos bem claro que o que está em causa não é a vida humana mas a sexualidade, que a igreja e outras ideologias de classes dominantes, querem que continue submetida às suas regras, porque, se um dia a sexualidade natural se libertar do jugo de milhares de anos de escravidão, não mais será possível obrigar ninguém a proceder, nomeadamente trabalhar, contra os seus próprios interesses e em proveito de outras classes sociais.
Há muito que isto é sabido de quem manipula as consciências alheias em seu proveito.

Porque se fala sempre em defender a vida humana e não em respeitar a natureza?
O aborto não será falta de respeito pela natureza?
Pois é, mas aí teríamos muito mais para dizer, estando todos, sem excepção, atolados em desrespeito sistemático e continuado pela vida, com perfeita (in)consciência disso.


Será que queremos mesmo um ano melhor?
Os anos só começarão a ser melhores quando melhorarmos o mundo e isso só será viável se nos melhorarmos a nós mesmos.

Existe uma escola que daria esperança ao mundo, privada também, algures em Inglaterra:
http://www.summerhillschool.co.uk/
Mas não tem servido de exemplo aos estudiosos do ensino, pedagogos, psicólogos, nem aos políticos, porque ela se propõe criar, não cidadãos submissos, mas seres humanos livres, racionais, sem medos, capazes de pensar pelas suas cabeças.
Aos estados, superstruturas do capitalismo, apenas interessa formatar as crianças no sentido de as transformar em peças úteis e obedientes (pela angústia da liberdade natural perdida) da máquina de produção, para benefício de alguns, e assim não fomentam nem patrocinam a proliferação desse tipo de escolas.
Que seria das classes sociais dominantes se cada um de nós começasse a pensar por si próprio e fosse capaz de agir livremente?
Quando um politico, ou um padre, nos vem dizer, a propósito da violência juvenil, nomeadamente nas escolas, que é preciso incutir nas crianças os valores necessários a uma vida social sem conflitos, o que eles querem dizer é que é preciso obrigá-las a aceitar as normas impostas pelos senhores do mundo, que são contrárias à natureza humana e geradoras de mais angústia e conflitos.

Apesar de tudo existem uns poucos de homens e mulheres que, com o exemplo da sua vida, as suas descobertas, a divulgação das suas ideias, vão tentando despertar em nós aquelas verdades adormecidas.

Por exemplo, A. S. Neil, fundador da Summerhill School, e o poeta Libanês Gibran Kahlil Gibran (1883 – 1931) que, num belíssimo e inesquecível texto, resumiu tudo o que precisamos de saber para criarmos um filho:

Os Filhos

Uma mulher que carregava o filho nos braços disse: "Fala-nos dos filhos."

E ele falou:

Vossos filhos não são vossos filhos.
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm através de vós, mas não de vós.
E embora vivam convosco, não vos pertencem.
Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,
Porque eles têm seus próprios pensamentos.
Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;
Pois suas almas moram na mansão do amanhã,
Que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.
Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós,
Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.
Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.
O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a sua força
Para que suas flechas se projectem, rápidas e para longe.
Que vosso encurvamento na mão do arqueiro seja vossa alegria:
Pois assim como ele ama a flecha que voa,
Ama também o arco que permanece estável.

Do Livro «O Profeta» de GIBRAN KAHLIL GIBRAN

Tenhamos esperança, mas façamos por isso!